Problemas permanecem, mas preferem debater ideologias

Problemas permanecem, mas preferem debater ideologias


São mais de seis décadas de existência e de constatação de que as pessoas são muito manipuláveis por quem comanda as nossas vidas, infelizmente. Lembro de um curso de marketing político do qual participei em que fiquei furioso com o palestrante quando ele disse que “as pessoas são como gado no pasto, que precisam apenas de um condutor. Para o lado que a vara mandar, o gado vai”. Fiquei revoltado com a fala, na ocasião, mas sou obrigado a reconhecer que ele tinha bastante razão, ao constatar como a situação do embate  “esquerda X direita” prossegue no País, abafando as questões mais urgentes e necessárias que, na verdade, nem são debatidas, para regozijo dos financistas e benefício de políticos que navegam nesta onda, obtendo votos que lhes mantém os mandatos e os benefícios deles advindos. Dois episódios desta semana mostram bem como a “briguinha” de ideologias é utilizada em desfavor da maioria da população.  Na Câmara de Itaúna foi votada uma “moção de aplausos” em relação à posição das pessoas ante os atos apontados como golpistas, de 8 de janeiro. Por outro lado, o aumento nos preços dos combustíveis teve atenção de postagens nos grupos dos “especialistas” no WhatsApp, sem abordagens nos meios políticos “oficiais”. 

Na votação da tal moção, proposta pela vereadora Edenia Alcântara, talvez a única que se declara “de esquerda” na atual composição do Legislativo itaunense, pudemos fazer a leitura de como os políticos se utilizam do embate posto à sociedade, de ideologias que dizem ser “de esquerda” e “de direita”, para garantir votos e consequentemente mandatos, que nada mais são  do que a manutenção de privilégios pessoais. Na “discussão” sobre o projeto, muito tempo da reunião foi usado para expor opiniões dos edis que, nada mais são do que posições político-eleitorais, em busca de apoios para futuras candidaturas, até porque é preciso “manter acesa a chama da disputa”, visto que no próximo ano tem gente querendo os votos dos “direitistas” e dos “esquerdistas” para se manter na Câmara ou, quem sabe, galgar um posto lá no prédio do Boulevard. Enquanto isso, temas mais importantes para os itaunense vão sendo deixados de lado, ou discutidos e votados “a toque de caixa”. Em comparação a dois projetos discutidos e votados na mesma reunião, temos a questão da moção abordada, que consumiu 19 minutos e 28 segundos do tempo da reunião, e a votação da anistia, proposta pelo prefeito, às multas aplicadas a quem desrespeitou as regras da pandemia. Este projeto foi votado e discutido em 6 minutos e 20 segundos, um terço do tempo gasto com a moção. Afinal, o que seria mais importante para o cidadão itaunense? A questão de uma “moção de aplausos” que nada modifica na vida das pessoas ou um projeto que isenta de multa quem desrespeitou as regras (leis) impostas no período da pandemia? Lembrando que o projeto da isenção de dinheiro a ser arrecadado pelo poder público de empresários que desrespeitaram as regras – desrespeitaram as leis – foi aprovado por unanimidade e a moção de aplausos, rejeitada.

Sabe por que isso? Porque a questão do debate ideológico rende mais votos, mais apoios – em Itaúna, a tendência é de apoio às causas rotuladas como “de direita”, por isso a rejeição à moção. Se a população se declarasse mais às causas rotuladas “de esquerda”, ela seria aprovada. Questões colocadas por alguns edis, como “redação afirmativa” ou “o Alexandre de Moraes não me representa”, são só jogo de cena para justificar o fato de apoiar o que rende mais votos. Já a questão da isenção de cobrança de multas, que renderia dinheiro aos cofres públicos – no mínimo –, foi pouco debatida, porque poderia desagradar algum empresário que foi multado porque descumpriu as regras (leis) no período da pandemia, só isso. Então vamos aprovar a isenção – que tira dinheiro dos cofres públicos –, porque pode tirar também a simpatia de algum empresário multado, só isso.

Já na questão do aumento da gasolina, por um lado os “esquerdistas” fazem a defesa do atual governo e os “direitistas” acusam o atual governo, como se no governo que eles apoiavam não tivesse sido cobrado preço altíssimo por litro de gasolina. Ali mesmo, em 2022, em abril, o valor do litro de gasolina era de R$ 7,49. Mas tome mensagens nos grupos de WhatsApp mandando “fazer o L”, coisa bem própria de idiota que não tem argumentos, mas quer posar de “inteligente”, de “participativo”. Enquanto isso, políticos não falam nada (nas câmaras, nas assembleias, no Congresso), porque debater seriamente a questão não vai agradar, vai tirar votos e vai prejudicar quem está “mamando” décadas a fio no erário, que são os bilionários, que ficam cada vez mais ricos. E quando alguém aborda a questão de mudar a política de preços da Petrobrás, que só favorece aos megarricos, não é ouvido. Porque debater essa babaquice de “direita X esquerda” é mais interessante. E tomem aumentos, e se mantenham os problemas, sejam os governantes com rótulos “de esquerda” ou “de direita”, porque o povo é como gado, na concepção daquele professor de marketing político que eu escutei um dia e não quis concordar. Bem feito pra mim, que ainda teimo em discutir coisas que não interessam aos cidadãos, mas que interferem diretamente nas nossas vidas...

Sérgio Cunha - * Jornalista profissional, especialista em comunicação pública e membro da Academia Itaunense de Letras – AILE.