Um ajuste na resolução de ano-novo

Um ajuste na resolução de ano-novo


O normal é saudarmos o ano-novo olhando para frente. Quase como se quiséssemos que o peso e as frustrações pretéritas nunca mais fossem capazes de incomodar sequer a memória. Como viajantes que focam na estrada. Mas o próprio passar dos anos, e com ele alguma maturidade, tem mostrado o poder grandioso de se atentar para aquilo que vivemos até aqui. É do passado que nasce a gratidão. É da gratidão que nasce a capacidade de colhermos tesouros futuros que antes passaram despercebidos. É se atentando para novos tesouros de perspectivas, que nos habilitamos a realmente fazer um novo ano inédito, sem cacoetes de resoluções antigas. O grande negócio, me parece, está em valorizar todo o simples e corriqueiro que nos construiu até aqui. Mesmo quando havia dissabor.

Levam-se muitos aprendizados para sermos capazes de fazer o simples.

Há poucos dias, escutei uma alegoria intrigante. Imagine você, caro leitor, que eu o pedisse para me dizer quantos carros vermelhos passaram por você na última vez que passeou pela rua. É provável que nenhum número específico se mostrasse na sua memória. Tampouco, alguma imagem específica de cada um destes veículos rubros. Ainda que pudéssemos juntos apostar que houve sim alguns quantos tenham lhe cruzado o caminho. Agora, façamos diferente. Quero propor que para cada automóvel cor-de-sangue que as ruas o apresentarem, poderemos convencionar um prêmio. Seu cérebro não falhará em fazer anotações mentais detalhadas que extrapolarão o mero número de carros observados.

É assim também com as oportunidades que um ano-novo nos entrega. A nova vida de 2024 só será realmente melhorada, mais desfrutada, próspera e agradável se estivermos com nosso olhar focado no que realmente interessa e não pode passar despercebido. E para isso, as dicas do passado que costumamos subestimar são baús de tesouro enterrados nos momentos mais triviais da rotina. Para os grandes saltos da vida, é preciso estarmos atentos ao sorriso de nossos filhos, ao pedido de ajuda escondido no tom de voz vacilante de um ente amado, ao prazer de voltar para o seio familiar, depois de cada velho-novo desafio emocional.

Levam-se muitos carros despercebidos para sermos capazes de fazer o simples.

Sabe o que, entretanto, mais pesa no último segundo do ano-velho? É o afã costumeiro em usarmos a esperança deturpada para anestesiarmos as dificuldades do passado. Refiro-me às dificuldades causadas pela ausência do simples, do costumeiro, do trivial. Da família reunida diariamente em torno da mesa. Até por que 99% das dificuldades são provenientes disso. É preciso coragem para se confiar no simples. É preciso ousadia para fecharmos o guarda-chuva que nos blinda da chuva de fé oferecida abundantemente por Nosso Senhor. Só então, acredito que o homem – como criatura querida de Deus – é capaz de saborear a verdadeira esperança de 2024. Juntos com todas as novas oportunidades que lhe saltarão aos olhos.

O ano-novo não pode ser moderno naquilo que realmente importa. Se não ele se torna perecível após a primeira frustração. Ele precisa ser simples, tradicional, forte e altivo. A modernidade pode ser deixada a cargo de todas oportunidades, que pretendemos identificar – a fim de que elas gerem frutos perenes.

G.K Chesterton sempre nos lembra que nada é mais extraordinário que um homem comum, com sua mulher comum e seus filhos comuns. Os novos anos, a exemplo de 2024, são ótimas chances de desejarmos que a perenidade seja sempre mais desejada do que a fugacidade de um tempo moderno. O novo verdadeiro está Naquele que, embora Eterno, Se fez nascer como Filho de um novo tempo, renovou nossa esperança e nos mostro que o a felicidade real é simples, é serena e é tradicional.

Feliz 2024 eterno para você, que me deu a honra de sua leitura ao longo de 2023. Seja como meu crítico mordaz ou como apoiador contumaz – ou ainda, como um pouco de cada. O que muito me importa é que estivemos juntos.