Sobre leis do poder

Sobre leis do poder

É bem conhecida, na mitologia grega, a história de Ícaro. Ele era filho de Dédalo, um talentoso artesão e inventor. Dédalo foi preso na ilha de Creta junto com Ícaro, após ajudar Teseu a escapar de um labirinto que ele mesmo havia construído. Para fugir, Dédalo criou asas feitas de penas e cera. Antes de decolar, ele alertou Ícaro para não voar muito alto, pois o sol derreteria a cera, nem muito baixo, pois a umidade do mar poderia encharcar as asas. No entanto, tomado pela euforia do voo e pelo desejo de tocar o sol, Ícaro ignorou os avisos do pai e subiu a uma altura que não lhe era ade-quada. A cera derreteu, e ele caiu no mar, afundando e desaparecendo. 

Robert Greene escreveu uma obra conhecida por “As 48 Leis do Poder”. O primeiro capítulo é intitulado por “Nunca Ofusque o Mestre”. Somos apresentados a uma ver-dade intrigante da natureza humana e da dinâmica do poder. Algo que se revela como um jogo de sombras e luz – no qual a sombra de objetos menores não deve nunca to-car o caminho da luz que destaca a peça central. O autor nos convida a explorar a in-trincada tapeçaria de relações onde a hierarquia e a ambição dançam juntas sutilmen-te.

Um mestre, cabeça de autoridade em qualquer composição na qual figure, se ergue como uma torre em meio a várias vigas de sustentação. O primeiro mandamento, dentre os 48 que Greene redigiu, se desenrola como um conselho ágil: nunca deixe que a luz de sua própria qualidade esbarre no brilho de seu superior. 

Greene ilustra esta lei com referências históricas e anedóticos que refletem a astúcia necessária para navegar nas águas turvas do poder. Um príncipe, por exemplo, deve sempre se cercar de conselheiros competentes. Ao mesmo tempo, deve assegurar que seus próprios talentos não eclipsam a figura do governante. O autor nos recorda que o orgulho é um veneno sutil, capaz de corroer até os laços mais sólidos. A grandeza do mestre deve ser sempre exaltada, mesmo que isso signifique recuar um passo na dan-ça da ambição.

Há exemplos como o do jovem Napoleão Bonaparte, que cuidadosamente cultivava a imagem de seu superior, até mesmo quando sua própria estrela estava em ascensão. Greene nos revela que a verdadeira arte do poder reside em saber como brilhar sem ofuscar. Para ele, o segredo é uma mistura de reverência e estratégia, uma habilidade delicada que separa os sábios dos insensatos.

Neste primeiro capítulo, a mensagem se desdobra como uma flor frágil em um campo ensolarado, belo – porém hostil: o poder é uma construção social e, para se manter dentro de suas fronteiras, é essencial compreender e respeitar a arquitetura que o sustenta. O jogo não é apenas sobre conquistas individuais, mas sobre a percepção e a fluidez das dinâmicas que nos cercam. Muita água corre embaixo da ponte, num perí-odo muito curto de tempo. A dança do poder é contínua e exige não apenas inteligên-cia, mas também uma dose saudável de humildade e autocontrole. Greene nos adver-te que o desejo de brilhar intensamente e muito rápido pode, muitas vezes, levar à ruína. É um lembrete poderoso de que, no grande teatro da vida, cada ator tem seu papel, e a verdadeira maestria está em entender que a luz do palco deve ser compar-tilhada.

E a propósito de luz, se Ícaro pereceu por voar muito próximo do sol. Prometeu, outro personagem da mitologia grega, também teve um destino trágico por se enxergar no papel que pertencia a Zeus. Astuto, Prometeu era um titã que decidiu trazer o fogo para a humanidade – um dom que proporcionaria a transição para o avanço da civili-zação, do conhecimento. Ele o fez à revelia de Zeus. Como punição por sua desobedi-ência, Zeus condenou Prometeu a um castigo eterno: ele foi acorrentado a uma rocha, onde uma águia vinha diariamente para devorar seu fígado, que se regenerava cada noite. 

Cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém.