Desconstruindo Paulo Freire
Paulo Freire é aclamado pelo progressismo, mas pouquíssimos educadores lamentavelmente realmente buscaram entendê-lo e a tragédia que ela promoveu na nossa história e no Plano Nacional de Educação vigente até 2024. A propósito do tema Educação, a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil identificou que mais de 70% dos professores brasileiros leem em média (pasme) um livro por ano e que, apesar de se considerarem leitores, 50% dos professores não leram nos últimos três meses.
O professor e pesquisador Thomas Giulliano é organizador da obra homônima a este artigo. Bebemos na fonte dele para trazer a reflexão de hoje.
Como explicar a presença de Paulo Freire na Educação brasileira? Apenas a partir de instituições que são anteriores a ele. Sobretudo o Ministério da Educação. Em 1967, os militares iniciam um processo de fortalecimento do MOBRAL, de onde fundamentarão a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (existente desde o governo Vargas. É esta legislação que fortalece o Ministério da Educação, sob Vargas, com o ministro da educação Gustavo Capanema. O MOBRAL tinha o objetivo de criar um “novo homem ideal, um novo brasileiro”, por meio do mesmo método de alfabetização silábico criado por Paulo Freire, quando de seu tempo de professor em Angicos (RN). Segundo o próprio Karl Marx, existe um espectro que ronda o arco histórico do mundo. No caso do Brasil, é possível dizermos que a memória de Getúlio Vargas se encaixa muito bem nesta descrição.
Note-se que até a década de 1880, no final do Brasil Império, o processo eleitoral brasileiro era muito mais democrático. Nesta época foi criada a Lei Saraiva, que proibiu analfabetos de votar e criou condições específicas para outras categorias de cidadãos baseada na renda e na crença religiosa. Por isso, é muito fácil observar que a participação política da população brasileira no século XIX era mais intensa. Pouco tempo depois disso, quando Vargas assume o poder, ele se movimenta de maneira populista para resolver isso. Ele mira na população excluída pela Lei Saraiva, no intuito de reintegrá-la a esta participação política perdida. Getúlio Vargas começa a atuar por meio de variadas instituições políticas, a exemplo do Ministério da Educação – que queria criar aquele conceito de “novo homem” sob Gustavo Capanema. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nascida neste contexto ganha uma ampliação no regime militar da década de 1960. Ela extrapola as escolas para tutelar as universidades.
Para falarmos sobre a capacidade doutrinação da LDB atual é fundamental entender este processo. Paulo Freire só alcançou a extensão que o deu o título de patrono da educação em 2012, em razão de um processo histórico muito anterior a ele. Um processo que habilitou a estrutura e os canais em que ele surfaria posteriormente.
Falemos, portanto, da visão limitada embutida pelo instrumental teórico de Paulo Freire. Segundo ele, o que interessa é a realidade social. Não necessariamente o conhecimento sistematizado fruto da cultura e das diversas descobertas intelectuais consolidadas no estofo de conhecimento que um professor teoricamente deveria transmitir a seus alunos. Para Paulo Freire, a seleção desta realidade social é fundamental para a seleção e o uso destacado do que ele chamou de “palavras geradoras”. O aluno deve sair da sala de aula portando uma “verdade” que seus pais não conheceram. Isso levaria estes alunos a chegarem nos seus espaços pessoais (inclusive na família) e resolver a “contradição” que vitimiza/aliena os seus pais. Essa atitude seria a forma de combater o “mal” (identificado na teoria marxista do opressor e do oprimido). Este mal, em última instância, é para Paulo Freire a opressão do capitalismo que permite famílias burguesas existir e leva famílias de proletários a serem alvo da ausência de afeto genuíno.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação brasileira estão hoje recheados e estruturados com este vocabulário de Paulo Freire. Eles mumificam a presença de Freire no ensino nacional. No Brasil, há muito, o aparelho de Estado fomenta uma doutrinação.
Para Paulo Freire não se pode dar aula numa comunidade com vulnerabilidade social (antigamente chamada de favela) falando-se sobre Bethoven ou Vivaldi. Pois isso desvincularia os alunos do processo de doutrinação que os formata numa militância contra os conceitos marxistas de “burguesia” e de “alienação”.
Paulo Freire é claro em dizer que não se deve ensinar belas artes para crianças pobres, pois isso poderia levá-las a ter uma visão conformada da relação de opressão social marxista. Ele chama esta visão conformada de “hospedeiro”. É como se o fato de as belas artes serem fruto de um ambiente sofisticado materialmente e intelectualmente gerasse um gosto na criança que pudesse disfarçar a culpa que o marxismo enxerga na dita burguesia.
Ora! Se o processo educacional é fruto de cultura, artes e história (pois isso é que dá estofo à Educação) qual o sentido de cria-se uma rixa com o envolvimento espontâneo de todos com as produções clássicas? Se a escola passa a servir como validadora de que está fora dela, qual a função dela então? Que espaço o professor terá para apresentar seu saber, teoricamente construído a base de muita formação e de muitas leituras? Se um professor de história do Brasil deve utilizar sua aula para abordar educação sexual, para que ler então Joaquim Nabuco ou Pedro Calmon? Quer dizer que o professor de história do Brasil estará apto a ministrar esta matéria se estiver em dia com a leitura da obra de Martha Suplicy?
Paulo Freira, o mesmo que defendeu abertamente o genocídio e disse que o sanguinário Che Guevara era sinônimo de amor, questiona em seu pensamento qual o sentido que Joaquim Nabuco (herói da história brasileira) tem para estudantes sem saneamento básico pleno, já que Nabuco era um aristocrata, que frequentava a corte, convivia com o Papa Leão XIII e apreciava belas artes. Neste caso, o aclamado Paulo Freira decepa da Educação nacional uma peça fundamental para se entender o processo social, político e institucional pós-escravidão. Nos outros tantos casos, a doutrinação freiriana deixa manca a formação verdadeiramente humanista do brasileiro.