O debate sobre a passagem de ônibus está focando no lugar errado

O debate sobre a passagem de ônibus está focando no lugar errado


Muitos perderam o foco da questão. Estão politizando excessivamente a discussão sobre o dinheiro que a Câmara de Vereadores votará, a pedido do prefeito, para subsidiar o contrato do município com a empresa de ônibus. É preciso dar um passo atrás, antes de jogar o assunto em discursos pré-eleitorais, ou de usá-lo como cassetete político em meio a barganha contra ou a favor do atual prefeito. O negócio é mais sério do que um bate-boca em rede social pode sustentar. É algo que envolve diretamente o dinheiro de metade da população itaunense. Isso mesmo: metade. Vou te explicar por quê. Melhor que seja tratado de maneira mais técnica, objetiva. E leve em consideração o impacto social e orçamentário, antes de rechear discursos inflamados de acusações e contra-acusações superficiais. O ambiente político, por si só, já é um palco teatral em sua rotina. Em momentos técnicos como aqueles em que as finanças públicas estão sobre a mesa, é preciso contrabalancearmos com boas doses de sobriedade. 

A classe média da cidade corresponde aproximadamente a 55% da população, segundo o autor da célebre publicação demográfica “Itaúna em Dados” – Ângelo Braz de Matos. Essa classe média que contrata a maior parte dos usuários de ônibus dentro de Itaúna. É ela que paga o vale-transporte. De cada 10 usuários dos coletivos municipais, 9 estão se locomovendo entre o local de trabalho e suas casas: é o ato que as estatísticas chamam de “comutar”. A classe trabalhadora da cidade é a usuária, na prática. A classe média é quem depende do serviço e quem, no final, efetivamente tira do bolso o dinheiro que remunera a empresa de ônibus. A questão, portanto, é: se a empresa de ônibus não receber o dinheiro dos cofres da prefeitura e tiver que repassar isso para o valor da passagem, quem pagará a conta por necessidade? Se você respondeu que é a população mais pobre, você está equivocado. 

Lá na cláusula sexta, do contrato assinado pela administração municipal de 2016, está acordado no parágrafo segundo que qualquer alteração nos encargos e na receita da empresa de ônibus, poderá gerar a revisão do valor da passagem para mais ou para menos. Assim, se o atual prefeito e os vereadores não fizerem o subsídio de 26 milhões que está em pauta nesta semana, basta que todos se sentem e aguardem o aumento da passagem. Que por sua vez, será pago pela classe média que contrata mão de obra, a exemplo de empregadas domésticas, jardineiros, seguranças, comerciários etc. Vale lembrar que a classe alta da cidade, dona das grandes empresas, freta seus próprios ônibus para transportar funcionários. 

Dito isso, seria estupidez falar sobre o problema sem deixar claro a origem da solução. O dinheiro que o prefeito pediu aos vereadores para autorizar neste caso já pertence aos cofres do município. Não é um aumento da dívida pública, com juros a serem massacrantemente observados. Ou seja: chegamos ao ponto em que devemos perguntar a cerca de 55% da população economicamente ativa do município, que é quem precisa meter a mão no bolso para manter a empresa de ônibus servindo à cidade. É melhor aumentar seu gasto mensal com salário e vale-transporte de funcionários ou apoiar o uso do dinheiro de impostos que você já pagou e está no caixa da prefeitura para resolver a situação?

A votação pautada esta semana para a Câmara de Vereadores não me parece um capricho do prefeito. Tampouco, está relacionada apenas à diminuição de 50 centavos do preço da passagem. Basta olhar as planilhas. 

Nos últimos dias vi alguém fazendo a seguinte conta de padeiro. A pessoa multiplicou os 50 centavos de diminuição do preço da passagem pelo número de usuários. Chegou a um número menor do que os 16 milhões de reais em votação na Câmara. E se deu por satisfeita.

Tem hora que dá vontade de deixar a bomba explodir, só para ver qual será a reação de quem tentou usar assunto sério em época de ataques eleitorais. Mas, como neste caso, quem vai pagar a conta de um jeito ou de outro é a rotina de mais da metade da cidade, vale a pena ser mais criterioso e ignorar a espuma e o barulho de quem injetou postura de torcida de futebol neste assunto.

Segundo o contrato assinado em 2016, já sabemos que a empresa de ônibus não ficará com o prejuízo. Que será pago no aumento da passagem ou no dinheiro de imposto que já está arrecadado. Agora resta entender o cálculo do valor – afinal não vivemos numa economia planificada comunista, mas sim numa democracia capitalista. Além do custo daqueles 50 centavos, tem muita gente se esquecendo que existe um negócio chamado IPCA acumulado – o famoso dragão da inflação somado de 2016 para cá. O bichinho foi voraz neste período. Em 2021 e 2022, por exemplo, passou de 10% a ano. Isso quer dizer que o poder de compra do dinheiro usado para a empresa de ônibus colocar gasolina ou consertar um ônibus, por exemplo, diminuiu. Junto disso, o número de gente que usou ônibus depois que a pandemia começou caiu de tal forma que, até hoje, a quantidade de usuários é cerca de 25% menor. Um quarto da gente que andava de ônibus jogou o preço do transporte público da cidade nas mãos de quem voltou a comutar.

Dizem que papel e discurso de político aceita qualquer coisa. Contudo, na hora de fechar planilha, alguém pagará a conta. E será, de um jeito ou de outro, a classe média – motor econômico da cidade. Resta saber, dependendo do que os vereadores votarem, se ela pagará usando apenas os impostos que já foram recolhidos ou se também arcará com a conta à vista da irresponsabilidade eleitoreira que tem tentado ser protagonista a todo custo.

Por Rafael Corradi Nogueira