O tropeiro que não era aranha nem caranguejo

O tropeiro que não era  aranha nem caranguejo

Temos aqui um romance de poucas páginas, de autor até o início da leitura, totalmente desconhecido, e isso se deve, creio eu, porque consumimos mais literatura estrangeira do que nacional. 

Também percebemos que a literatura de fora é tratada muitas vezes como superior, mas principalmente porque o “marketing” que se faz para vender o livro estrangeiro é um investimento soberbo, não se dando ao livro nacional o mesmo tratamento. 

A mídia em geral consagra autores americanos e de outras nacionalidades que às vezes não são tudo que dizem, enquanto escritores daqui são menosprezados como se não tivessem nada a dizer de profundo e importante para a formação de nosso povo. 

Estou falando tudo isso porque nenhum mineiro se sentirá fora de seu ambiente lendo a obra em comento, isso sem se falar na aula de história contemporânea, porque tudo se passa nos anos trinta e você verá como era a política naqueles dias, mais conhecida por CAFÉ COM LEITE, em que se alternavam no comando do país, ora um paulista, ora um mineiro, daí o nome. Também vai ter contato com a política regional e deparará com o PRM (Partido Republicano Mineiro) e o PRP (Partido Republicano Paulista), que eram partidos únicos em seus Estados, mas que em Minas se dividia em Aranhas de um lado, e Caranguejos de outro, sendo que em outras regiões do Estado, tinham outras denominações, mas nas cercanias em que a história se passa têm esta designação.

A mineiridade está presente e o linguajar é para mineiro se orgulhar de seu dialeto, porque em Minas não se tem apenas expressões regionais, e sim um modo de falar próprio o que o eleva a linguagem à condição de dialeto mais conhecido por MINEIRÊS.

Você terá contato com verbos desconhecidos até para nós mineiros, como é o caso de “entafulhei”, que no contexto dá a entender que o indivíduo se confinou em algum lugar, mas, sinceramente, se pudesse traduzir, seria como se ele tivesse se enfiado naquele local. Tem também o caso do “arreda”, que soa estranho para quem não teve contato com a expressão normalmente usada para pedir que alguém se afaste de si ou de outra pessoa.

Mas o curioso para nós itaunenses é que o autor vai falar de cidades que conhecemos, Muzambinho, Guaxupé, Passa Quatro, Poços de Caldas, e outras não tão conhecidas assim: Petúnia, São Pedro, Carmo do Rio Claro e outras.

Não para aí, dentro do desenrolar da história, vão aparecer figuras ilustres, tais como: Getúlio Vargas, Washington Luís, Carlos Prestes. O autor falará também do Crack da Bolsa de Nova York e o que isso afetou a economia do país, o surgimento do Estado Novo, a revolta paulista de 1932, conhecida como Revolução Constitucionalista, o sentimento paulista de separação da união com o intuito de se formar um Estado independente. Vai discorrer sobre a invasão de Minas pelos paulistas e o avanço das tropas paulistas, chegando a tomar a cidade de Guaxupé, enfim, apesar de poucas páginas, o universo abordado pelo autor é fantástico, sem tornar a leitura enfadonha e cansativa.   

A história é contada em primeira pessoa e quem a conta é Marcelino, já sossegado e acomodado, pois pede ao entrevistador que não conte a ninguém senão só depois de sua morte, porque é um passado que determinou seu estado atual diante de uma escolha. Marcelino estava dividido, não sabia se se entregava ao amor por Ofélia ou à vida libertina de tropeiro. Tanto seu pai como sua mãe queriam mesmo é que ele se fixasse na roça e deixasse de lado a vida de tropeiro, desconfiavam que o Capitão Genésio era, na verdade, um trambiqueiro dos grandes, mas Marcelino estava cada vez mais encantado com a possibilidade de investidas pelo território do Estado de Goiás. Na sua primeira viagem, pode perceber que havia algo de errado, porque não iam comprar gado para vender ou entregar aos compradores do Capitão, na verdade, estavam roubando, sob encomenda, gado dos fazendeiros goianos e vendendo-os aos compradores do Capitão Genésio em Minas Gerais.

As tropas partiam de Minas sob o comando do tropeiro Liseu, adentravam o Estado de Goiás com a incumbência de trazer de lá trezentas ou quatrocentas reses a serem entregues nas fazendas indicadas pelo Capitão. Recebi das mãos de Liseu “uma capa de feltro, com um porta-capa para pôr na garupa da mula, uma carabina e uma caixa de balas”.  O resto era meu: chapéu de aba larga, mula arreada, revolver .38. O pagamento era muito melhor que trabalhar na roça, mas a gente deixava tudo no caminho, porque o que não faltava era puteiro no itinerário.

Para saber mais, é preciso ler o livro, porque a minha narrativa em palavras próprias da história acima, sequer chega perto do talento do autor, pois é muito mais exuberante. Aprecie. Leia, porque vale muito a pena.