Que pensam eles sobre a Igreja Católica?

Que pensam eles sobre a Igreja Católica?


Toda ciência, até mesmo a ciência divina, é uma sublime história de detetive. Só que não procura descobrir por que um homem está morto, mas o segredo mais sombrio de por que está vivo. A Igreja Católica permanece, no melhor sentido, um mistério até mesmo para quem crê. Seria tolice destes reclamarem que ela é um enigma para quem não crê. Mas num sentido mais prático, bem podemos fazer uma pergunta. O que eles pensam que ela realmente seja? Continuamos esta série de divulgação das ideias magistralmente publicadas por G.K. Chesterton. 

O que pensam que nós católicos achamos que ela realmente é? Do que pensam que se trata, ou mesmo deveria tratar-se? Este problema torna-se mais obscuro para mim quanto mais olho para ele. Torna-se negro como a meia-noite, por exemplo, quando olho para uma frase onde se lia que Roma tolera, em sua relação com as Igrejas Católicas Russas, “estranhas heresias e até mesmo um clero barbado e casado”. Nessa frase, que monstro disforme começa a tomar forma em suas visões? Nessa frase, não é exagero dizer que cada termo é assustador em sua inconsequência. 

Mal podemos dizer que essa versão da fé católica romana seja falsa, ou que é diferente da verdadeira. Qual é a versão, e como pode ser essa a versão deles? Existe no mundo, nos diriam os críticos, uma poderosa e perseguidora superstição, inebriada com a ímpia ideia de ter o monopólio da verdade divina, e que, portanto, esmaga e extermina cruelmente todo o resto como erro. Queima pensadores por pensarem, descobridores por descobrirem, filósofos e teólogos que diferem num fio de cabelo de seus dogmas; não tolera a mínima mudança ou sombra de diversidade nem mesmo entre seus amigos e seguidores; varre o mundo com um ciclone encíclico de uniformidade; seria capaz de destruir nações e impérios por causa de uma palavra, de tão presa que está a sua ideia fixa de que sua própria palavra é a Palavra de Deus. Enquanto varre o mundo dessa forma, chega a uma região remota e bastante bárbara na fronteira da Rússia, onde para subitamente, dá um largo sorriso, e diz àquelas pessoas que podem ter as heresias mais estranhas que quiserem. Heresias estranhas, pelo padrão de estranheza que deve existir numa experiência tão longa quanto a da Igreja de Roma, devem ser realmente muito estranhas. A Igreja não desconhece heresias que envolviam sacrifícios humanos, ou a adoração de demônios, ou a prática de perversões, como muitas que aparecem de forma naturalizada nas novelas, nos realities shows estilo BBB etc. Ninguém explica por que esses europeus orientais em particular deveriam ser considerados com tanta benevolência, ou por que uma grande quantidade de pelos longos no queixo deveria ser considerada com tanta reprovação. Presumivelmente, é um problema sobre o qual essa intolerante tirania espiritual não tolera ser questionada.

De que adianta começar diligentemente a explicar que um clero casado é uma questão de disciplina e não de doutrina, e que pode, portanto, ser permitida localmente sem heresia, quando o tempo todo o sujeito acha que uma barba é tão importante quanto uma esposa e mais importante do que uma falsa religião? Qual o sentido de explicar-lhe as circunstâncias históricas peculiares que levaram à preservação de alguns hábitos locais em Kiev ou Varsóvia, quando o homem pode a qualquer momento receber um choque mortal ao ver um franciscano barbado?

O que queremos é entender a do homem que consegue pensar sobre nós de forma absurda a ponto de supor que poderíamos ter um horror à heresia, e então um fraco pela heresia, e então um horror ainda maior por pelos na cara. 

A noção de que ele apenas pensa que a Igreja é um absurdo completo não é muito consistente com a forma como fala dela em outros aspectos; como quando diz que ela sempre resistiu a tais e tais mudanças, que talvez ele aprove; ou como pode ser considerada uma influência para tais e tais princípios, dos quais ele talvez não goste; ou que é proibida de aceitar esta doutrina ou obrigada a defender aquela. Porém não consigo imaginar o que ele supõe que seja o princípio pelo qual ela aceita ou rejeita doutrinas. E quanto mais entrarmos em contato com o quebra-cabeça, tanto mais sentiremos, penso, algo único e até mesmo perturbador. “A luz brilhou nas trevas e as trevas não a compreenderam.”

Uma parte da dificuldade, sem dúvida, deve-se à estranha forma como tantas pessoas estão ao mesmo tempo preocupadas com a Igreja e têm preconceitos a seu respeito. Adoram falar sobre ela e odeiam ouvir a seu respeito. Parece que detestam especialmente perguntar a seu respeito. Inclino-me a suspeitar que até mesmo essa omissão, por mais negativa que pareça, tem em si algo mais profundo do que uma mera negligência. Porém, à parte esses mistérios, penso que há outra razão, que é humana e histórica. O que faz com que a filosofia católica seja desprezada é exatamente o mesmo que faz com que ela seja de fato impossível de desprezar. É o fato de que foi tida por morta; e agora de forma bastante incrível volta à vida. 

Esse desprezo simples e confiante já foi sucedido por uma curiosidade bastante inquieta. Mas hábitos mentais sobrepõem-se; e o impulso morto de desdém pelos fatos caminha lado a lado com um novo movimento de ansiedade sobre as possibilidades. Eles não seriam tão ignorantes a esse respeito se não tivessem decidido que ela estava morta. Não ficariam tão irritados com ela se não tivessem descoberto que está viva. Pois a ignorância pode ser acumulada como o conhecimento; e esses críticos recém-chegados são os herdeiros dos juros acumulados de séculos de uma ignorância que se transformou em indiferença. Neste momento não estão mais indiferentes, mas ainda estão ignorantes. Foram subitamente despertados nas vigílias da noite, e não conseguem negar nem compreender o que veem. Pois veem alguém que estava morto a andar, e o brilho daquela morte-vida; e todas as fábulas em que acreditaram e todos os fatos que esqueceram são igualmente engolidos pelo milagre que não são capazes de crer nem de esquecer.

Por Rafael Corradi Nogueira