Se vidas importam, todas importam. Não é?
“O aborto é, de fato, um holocausto silencioso”, escreveu G.K. Chesterton.
Muito se discutiu sobre o momento em que a vida humana tem início. Neste debate, existe um lado, formado por aqueles que não entendem a vida como um dom divino e sobrenatural, mas preferem pensar sobre átomos de carbono e sobre um animal da espécie humana, que ocorre de possuir racionalidade. Neste grupo, houve quem dissesse que um bebê dentro da barriga de sua mãe só se torna humano depois do terceiro mês. Também apareceram aqueles que enxergam o pequeno como ser humano apenas depois que é possível identificar sua forma humanoide, com braços e pernas, cérebro, coração e pulmão. Antes disso seria apenas um pedaço de carne amorfo descartável. Tão relevante quanto a carne moída com que se faz almôndegas num domingo de família, mas que acidentalmente cai no chão e deve, sem nenhum desconforto, ser arremessada para a lixeira. Há ainda neste grupo, quem entenda que o nascituro só se torna um de nós depois que sai de dentro da barriga da mãe: a partir daí ele teria direito aos direitos humanos, como qualquer outro grupo marginalizado e oprimido por quem não tem um pingo de solidariedade com pessoas indefesas, minorias agredidas e “periféricas”. Entretanto, cheguei à conclusão que a definição, sob o ponto de vista deste grupo que defende algum tipo de aborto, nunca esteve relacionada à evolução da vida do pequeno ser humano que foi gerado. Nunca colocou o interesse e o direito deste pequeno como verdadeiro definidor do assunto. Para esses, o que deve estipular o aborto é a combinação de dois fatores: o quão emocionalmente a mãe está apegada ao novo ser humano e como isso é considerado quando comparado com a conveniência desta mãe em dar à luz.
Em suma, nessa visão, o aborto teria que ser aceito quando o apego emocional da mãe à criança dentro da barriga for menor do que a conveniência dela em exercer a maternidade. Seja, por exemplo, porque ela tem não se enxerga com a capacidade de bancar os custos materiais e emocionais de se tornar mãe. Ou seja, por exemplo de um caso recente, de ela ter terminado o relacionamento com o pai biológico da criança. Ainda que a avaliação da comodidade de algumas mães possa ser tão somente relacionada a caprichos pessoais, tenho consciência que a conveniência de uma mãe muitas vezes pode ser desafiadora. Há algumas que estão na miséria material. Há outras que serão desafiadas por uma doença precocemente identificada no feto. Há aquelas que certamente ainda não possuem maturidade psicológica para exercerem a maternidade. No entanto, nada disso sobrepassaria o direito à vida que outro ser humano possui. Não existe salvo conduto para matar alguém, em razão da dificuldade que nós enfrentamos. Seja ela qual for. Mas, a vida do nascituro não é, lamentavelmente, o que se parecer estar em discussão.
Uma prova? Se fosse, não haveria como confrontar a certeza de uma mãe que já ama seu filho, dentro de seu ventre, independentemente do momento da gestação. Ela não está interessada em entender se a nidação foi o que gerou a vida ou se a primeira individuação autônoma do embrião é o sinal de uma atitude de um ser vivo independente. Pergunte a uma mãe, que decorou o quarto de bebê, reformulou seus planos futuros e já está pesquisando roupinhas (mesmo antes de saber se a criança é menino ou menina).
A equipe do Padre Paulo Ricardo me enviou um e-mail esta semana com uma análise robusta sobre o assunto em voga no Brasil. Vejo-a pertinente para divulgação.
Como tem sido amplamente divulgado pelos meios de comunicação, o Supremo Tribunal Federal acaba de pautar para julgamento a ação que pretende legalizar o aborto no país.
Trata-se da ADPF 442, proposta junto ao STF pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O julgamento virtual começa nesta sexta-feira, dia 22 de setembro de 2023. O pedido da ADPF 442 é que os artigos do Código Penal que criminalizam o aborto sejam declarados inconstitucionais até a 12.ª semana de gestação. Mas essa é só uma “cortina de fumaça”: toda a petição do PSOL está baseada no “critério do nascimento como marco para a imputação de direitos fundamentais à criatura em desenvolvimento” — em outras palavras, na ideia de que o direito à vida só se inicia após o nascimento.
Ou seja, se a ADPF 442 for deferida, por mais que o pedido definitivo fale das 12 primeiras semanas de gravidez — o que por si só já é gravíssimo —, ficam abertas as portas para o “direito ao aborto” até o momento do parto. A ação é estratégica: introduz disfarçadamente um princípio sobre o qual ninguém está falando agora, mas que depois deverá ser seguido pelas leis a serem votadas pelo Congresso e pelas decisões a serem tomadas pelos tribunais.
Qual princípio é este mesmo? O princípio de que a mera conveniência de uma mãe é uma licença para assassinar um bebê que se colocar entre ela e seus planos para o futuro.