Padre José Teixeira de Camargo e a Capela de Sant’Ana

Padre José Teixeira de Camargo e a Capela de Sant’Ana

Os caminhos da história de Itaúna guardam em sua tessitura episódios de fé e esforço que remontam ao século XVIII. Entre esses episódios, sobressai a trajetória do padre José Teixeira de Camargo e a construção da capela de Sant’Ana, situada à margem do São João, erguida em solo de devoção e persistência. Sua vida eclesiástica e seu empenho pessoal em fixar a fé na região expressam um tempo em que a religiosidade e o patrimônio espiritual se entrelaçavam de forma indissociável.

No seminário de Mariana, José Teixeira seguiu os passos de seus irmãos Tomás, João e Joaquim, filhos de Tomás Teixeira. Apenas ele conseguiu ordenação. Os registros garimpados pela pesquisa do historiador Guaracy de Castro Nogueira lembram que um dos primeiros batizados que atendeu ocorreu na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Congonhas do Campo, em 1740. Essa vinculação com Congonhas, em meio à presença do sargento-mor Gabriel da Silva Pereira e à fixação das primeiras famílias no São João, revela a formação espiritual que sustentaria a comunidade nascente. No entanto, os rigores da época exigiam mais que devoção: era preciso provar, com testemunhas e declarações, a pureza de sangue, sem qualquer mancha ligada à inquisição, e dar mostras de conduta irrepreensível na quaresma e na vida cotidiana. 

A exigência não era apenas formalidade. Tratava-se de uma barreira que mantinha à distância os que não correspondiam ao perfil esperado de sacerdote. José Teixeira, ao longo de anos, demonstrou em jejuns e restrições sua adesão aos preceitos. Foi examinado em processos minuciosos que se encontram hoje entre os documentos da Cúria Arquidiocesana de Mariana. Neles constam não só as condições espirituais, mas também a ligação prática com a obra material que se erguia no povoado: a capela de Sant’Ana. Essa capela, idealizada por Manoel Pinto de Madureira, tornava-se símbolo da estabilidade de uma região ainda em formação. O jovem clérigo via nesse templo nascente o espaço para consolidar sua ordenação e o altar de sua primeira missa. 

Os registros atestam que em abril de 1766, ainda diácono, José Teixeira solicitou formalmente autorização para celebrar naquela capela. Frei Manoel da Cruz, bispo de Mariana, acompanhava de perto o processo, que exigia comprovação de patrimônio e garantia de manutenção da vida religiosa no local. O pedido foi atendido e, no mesmo ano, José Teixeira de Camargo foi ordenado, assumindo a capelania de Sant’Ana e celebrando sua primeira missa. O gesto selava o encontro entre a vida espiritual e a materialidade da fé erguida em madeira, pedra e cal. 

A documentação ressalta que o caminho até a ordenação não foi simples. José Teixeira precisou apresentar, diante das autoridades, atestados de comportamento quaresmal. Havia a exigência de que tivesse comungado pelo menos uma vez por ano, de que se abstivesse de carnes nas sextas-feiras e de que se dedicasse com rigor às penitências. Esses registros são mais que curiosidades: revelam a disciplina de um tempo em que a fé era medida por gestos concretos de renúncia e perseverança. A prova não se dava apenas na palavra, mas na regularidade da prática.

O processo culminou com a entrega da provisão episcopal para que pudesse exercer plenamente o ministério na nova capela. Esse documento, emitido em janeiro de 1764 e confirmado em 1766, representa a oficialização de uma etapa fundamental da história religiosa da região. A capela de Sant’Ana, resultado do esforço de Manoel Pinto de Madureira e de tantos outros moradores, transformava-se no ponto de encontro da comunidade. Era ali que se celebravam as missas, se batiam os sinos, se vivia a experiência da fé coletiva.

Os anos seguintes confirmaram a importância da obra. O historiador João Dornas Filho, ao revisitar essas memórias, ressalta que a capela de Sant’Ana estava concluída antes de 1778 e que se tornou o núcleo da vida religiosa da freguesia. As paredes que abrigaram a primeira missa de José Teixeira testemunharam também casamentos, batizados e celebrações que marcaram o cotidiano de Itaúna nascente. O oratório particular do fazendeiro se ampliava em capela de todos, servindo de marco para a formação de uma paróquia que, no século XIX, receberia padres permanentes e se integraria à vida diocesana.

A memória desses feitos não se restringe à devoção. Ela se manifesta na própria paisagem da cidade, que guarda ainda a lembrança da capela erguida às margens do São João. A história de Itaúna se confunde com a história de sua igreja, porque ambas nasceram do mesmo gesto de resistência e esperança. O padre José Teixeira de Camargo, com sua dedicação, não apenas celebrou a primeira missa, mas firmou para sempre o elo entre fé e comunidade. A pedra da capela era, ao mesmo tempo, a pedra angular de uma identidade coletiva.

Ler essas páginas documentais é perceber que a fé em Itaúna foi construída passo a passo, tijolo a tijolo, exigência por exigência, como se a própria vida da cidade fosse tecida em oração. Ao relembrar o gesto de José Teixeira de Camargo, não apenas revisamos arquivos ou assinaturas, revisitamos a própria raiz da nossa história. Naquele altar singelo, entre o rumor das águas do São João e o som grave dos sinos, nascia a promessa de um povo que aprenderia a transformar fé em destino.

Por Rafael Corradi Nogueira