Notícia de “duplo sentido”

Notícia de  “duplo sentido”


* Sérgio Cunha

Nos últimos dias, talvez pela necessidade de se dar “boas notícias” com a proximidade do final do ano, temos lido, visto e ouvido uma série de notícias repassadas à população como muito positivas, sendo que, na verdade, se esmiuçadas, mostram uma outra realidade que escondem da gente, até mesmo com a conivência da imprensa. São muitos os temas e as informações passadas, mas foquei em duas delas, uma de âmbito nacional e outra mais localizada. Nos dois casos a notícia dada como altamente positiva pode ser analisada como extremamente negativa, dependendo do que se informa nelas.

No primeiro caso temos a questão da safra recorde de grãos do País, reforçada pela mesma informação em relação ao estado de Minas Gerais. Segundo dados oficiais do Governo Federal, a safra de grãos do Brasil deve alcançar 312,4 milhões de toneladas na safra 2022/23. Esses números são melhores em cerca de 41,5 milhões de toneladas em relação à safra anterior. Esses dados mostram a pujança do setor no País.

No outro caso temos a informação repassada à imprensa local de que o PIB itaunense tem experimentado alto crescimento nos últimos anos, colocado o município como um dos 30 melhores do estado. Ainda conforme os dados, a capacidade média de consumo dos itaunenses passou de R$ 28 mil, em 2016, para mais de R$ 39 mil, em 2020. Realmente é um crescimento espetacular, à primeira vista. Porém há “o outro lado da moeda”, que precisa ser analisado.

Vamos ao primeiro caso: os recordes na produção de grãos do Brasil são sequenciais. Ano a ano o País aumenta sua produção de grãos, e isso é bom. Mas, e sempre tem um mas, existe a questão do “o que os brasileiros ganham com isso?”. Se formos analisar o mercado de trabalho, o setor não é o que mais emprega. Se formos analisar o recolhimento de impostos, seguiremos no mesmo rumo. Mas o que mais contrapõe é que, mesmo sendo um dos maiores produtores mundiais de quase todos os tipos de alimentos, o custo da alimentação no Brasil é altíssimo, isso sem falar nas pessoas que passam fome. Algo está errado nesta equação, ou não? É natural produzir muito e, ao mesmo tempo, pagar tão caro e tantos não terem nada? É preciso pensar sobre isso e encontrar alternativas que possam ir além dos registros de recordes.

Já na questão local, vamos ao fato de que o PIB – Produto Interno Bruto é traduzido na soma de toda a riqueza que produzimos, no caso, os itaunenses. Assim pode-se ver claramente que o faturamento, a riqueza produzida no município está aumentando ano a ano. Mas e aí? Em contraponto temos a informação de que, a despeito de estar subindo no ranking do PIB, descemos no ranking do salário médio mensal dos trabalhadores itaunenses. Se a média salarial dos mineiros é de R$ 2,2 mil, a média dos itaunenses é de mais de 10% a menos: R$ 1,9 mil. E, em comparação a Itatiaiuçu, a diferença é ainda mais “gritante”, pois lá a média salarial é de R$ 2,9 mil por trabalhador, a despeito de que o PIB de lá também é bem maior, alçado na produção do minério.

O disparate da situação pode ser notado quando se sabe que, conforme os números do nosso PIB, a capacidade de consumo dos itaunenses é de R$ 39 mil por ano. Mas conforme o salário médio pago aos trabalhadores, cada um deles recebe, por ano, R$ 24,7 mil. Assim ficaria “devendo” cerca de R$ 15 mil em um ano se exercesse a capacidade de consumo que lhe é atribuída. Talvez se explique a situação com o número de carros de luxo que trafegam pelas nossas ruas, em contraponto à miséria que pode ser facilmente detectada nessas mesmas ruas...

* Sérgio Cunha é jornalista, especialista em comunicação pública, marketing político e membro da AILE – Academia Itaunense de Letras.