O mapa e o tabuleiro III: o ruído e o jogo

O mapa e o tabuleiro III: o ruído e o jogo

A política é antes de tudo um exercício de compostura. O episódio recente na Câmara (o bate-boca que tomou conta da sessão) não é apenas mais um capítulo ruidoso das sessões de vereadores. Ele revela algo mais profundo: a dificuldade de alguns em perceber que, num tabuleiro real, há momentos em que levantar a intriga de corredores, por um lado, ou a voz em gritos e palavrões, por outro, é sinal de fraqueza, não de força.

A cena expôs uma miopia estratégica. Muitos confundem intensidade com influência. Acreditam que volume gera autoridade, quando, na prática, o grito apenas torna visível aquilo que deveria ter permanecido oculto. Há discussões que elevam. Outras apenas denunciam a ausência de cálculo. O conflito daquela sessão não nasceu de grandes divergências políticas, mas da incapacidade de alguns de compreenderem quando convém falar e, principalmente, quando convém não o fazer.

Em ambientes políticos maduros, os confrontos não ocorrem ao acaso. Eles são escolhidos com precisão: não se luta porque se está com raiva, mas porque o momento, o tema e o público convergem para dar sentido ao enfrentamento. Aquele desentendimento não tinha propósito. Era ruído puro, sem forma e sem consequência: exceto a de desgastar quem nele se envolveu.

A política ensina que a serenidade é uma forma de força. Quem perde o controle, perde o enredo. E quem perde o enredo, cede espaço para outros escreverem a narrativa. Os mais experientes sabem que a verdadeira disputa raramente acontece diante das câmeras. Ela se decide nos gestos discretos, na escolha do tempo, no domínio da emoção. A sessão mostrou justamente o oposto: pessoas presas ao impulso, não ao objetivo.

Há uma disciplina silenciosa que distingue o político maduro do político barulhento. É a capacidade de guardar para si o que ainda não pode ser revelado. Quem expõe demais suas intenções entrega ao outro a chave da própria vulnerabilidade. Em Itaúna, isso se repete com frequência: brigas públicas que antes deveriam ter sido conversas privadas. O excesso de transparência emocional não é virtude quando compromete a própria atuação.

Outro aspecto que se perdeu naquela noite foi a noção de presença. Alguns confundem aparecer com influenciar. Não percebem que, em certas horas, a ausência dignifica mais do que o protagonismo. Sumir do tumulto pode ser a forma mais elegante de marcar posição. Quando todos falam ao mesmo tempo, quem fica em silêncio conquista o único espaço que realmente importa: o da escuta.

A visibilidade tem o seu mérito, é verdade, mas apenas quando é construída. Exigir atenção à força produz o efeito contrário: rebaixa o objetivo e desgasta a imagem. A sessão demonstrou como a busca ansiosa por destaque acaba gerando uma sombra longa, que escurece conquistas reais e cria ruídos na percepção pública. Em política, o exagero pesa mais do que o erro.

O tempo também foi mal lido. Havia ali uma ansiedade crua, típica de quem acredita que cada instante é um ponto de virada. Não é. A arte do timing pede outra coisa: a habilidade de esperar que a situação se apresente pronta, madura, e então agir com precisão. Agir cedo demais é desperdiçar munição. Agir tarde demais é entregar o terreno. Naquela noite, ninguém controlou o relógio; todos foram arrastados por ele.

Por fim, faltou fluidez. Alguns vereadores pareciam presos a papéis antigos: o indignado automático, o provocador previsível, o moralista de ocasião. A política moderna exige outra postura: a capacidade de se adaptar à situação sem perder o eixo. Em cenários tensos, o político que se molda ao ambiente, sem se submeter a ele, mantém a vantagem. O rígido quebra; o flexível contorna.

A sessão da Câmara não foi grave. Não mudará rumos eleitorais nem redefinirá alianças. Mas deixa um alerta. Itaúna amadureceu politicamente nos últimos anos. A cidade observa. Entende o tabuleiro. Reconhece quem cresce no silêncio e quem se desgasta no barulho. O jogo não premia quem grita mais alto. Premia quem compreende o terreno, escolhe suas batalhas e mantém o sangue frio quando todos perdem o eixo.

O tabuleiro continuará mudando. O ruído passará. A política, com sua paciência de rio, seguirá fluindo. E os que aprenderem a dominar as próprias emoções (e não apenas as circunstâncias) perceberão que o verdadeiro poder nasce não no momento do confronto, mas na sabedoria de escolher quando ele realmente vale a pena.

Por Rafael Corradi