O valor em ser habitual

O valor em ser habitual


Por Rafael Corradi Nogueira

Pediram-me para explicar algo sobre mim que parece ser considerado muito extraordinário. Pelo que pude entender, considera-se extraordinário um homem que valoriza ser ordinário, cotidiano, habitual, costumeiro. Busco ser ordinário no sentido correto do termo, que significa a aceitação de uma ordem; um Criador e a Criação, o bom senso da gratidão pela Criação, pela vida e pelo amor como dons permanentemente bons, pelo casamento, pela família e pelo cavalheirismo como leis que os controlam corretamente, e o resto das tradições de nossa condição humana e nossa religião católica. Considera-se também um pouco estranho que eu ache que a grama é verde, mesmo depois de algum cantor MC, algum artista ou alguma novela dizerem que ela é cinza; e que, em temas mais polêmicos, eu de fato prefira casamentos a divórcios e bebês ao controle de natalidade. Essas excêntricas opiniões, que compartilho modestamente com a imensa maioria da humanidade, passada e presente, não deveriam ser aqui defendidas uma a uma. E dou apenas uma resposta genérica por uma razão particular. Desejo deixar claro que minha defesa destes sentimentos não é sentimental. Seria fácil falar arrebatadamente sobre cada uma dessas coisas; mas desafio o leitor, depois de ler este texto, a encontrar o menor traço da lágrima da sensibilidade emotiva. Tenho essa opinião não por causa de sua sensibilidade, mas por causa de sua sensatez. E assim recorro mais uma vez ao pensamento apurado do mestre G. K. Chesterton, de quem novamente me faço mero propagador e admirador.

Ao contrário de mim, os céticos é que são sentimentais. Mais de metade da “revolta” e da conversa sobre ser avançado e progressista é simplesmente uma fraca espécie de esnobismo que toma a forma de uma adoração da juventude. Alguns homens da minha geração idolatram modas ou bizarrices. Se não o faço, é pela mesma razão por que não ando com boné para trás ou um coque samurai. Cavalheirismo não é a visão romântica dos sexos, mas a realista. Falam de amor livre quando querem dizer algo diferente, que poderia ser mais bem definido como luxúria livre. Insistem em falar de controle de natalidade, quando querem dizer menos natalidade e nenhum controle.

O que chamamos de mundo intelectual, que influencia os costumes na teledramaturgia, nas músicas ou nos filmes, é dividido entre aqueles que adoram o intelecto e aqueles que o usam. Há exceções, mas, em geral, nunca são as mesmas pessoas. O primeiro fato a registrar sobre isso é que o mundo intelectual consiste principalmente de tolos: adoram-no como um deus desconhecido. Isso é a raiz dos livres-pensadores. Às vezes acontece que um talento tem um fraco pela adulação. Preferiria dizer ou cantar algo tolo que as pessoas acham inteligente do que algo que apenas pessoas inteligentes poderiam perceber que é verdade. Oscar Wilde era um homem desse tipo. Quando disse em algum lugar que uma mulher imoral é a espécie de mulher de que um homem nunca se cansa. Há músicas sertanejas e de MPB que o copiaram. Todos sabem que um homem pode cansar-se de toda uma procissão de mulheres imorais, especialmente se ele for um homem imoral. Isso é o tipo de coisa dita a pessoas incapazes de pensar. 

De qualquer forma, é nesse mundo em que há o FERMENTO DA MODA DA REVOLTA E NEGAÇÃO. Quando as pessoas dizem solenemente que o mundo está em revolta contra a religião ou a propriedade privada ou o patriotismo ou o casamento, querem dizer que esse mundo está em revolta contra elas mesmas. A revolta ocorre por transferirem sua forma de tratar a arte para a moral e a filosofia. 

Conhecem as fábricas de música sertaneja de Goiânia? Existe uma espécie de escritório onde as pessoas se sentam para rimar estorinhas de traição, a fim de criarem refrões que irão “pegar” na cabeça das multidões que consumirão aquela “música”. Em outras palavras, artistas copiaram artistas, desde as primeiras pinturas sentimentais do movimento romântico. Porém as rosas não copiaram rosas. Os raios de luar não imitaram uns aos outros. E embora uma mulher possa copiar as mulheres no aspecto exterior, isso é apenas no exterior e não na existência; sua feminilidade não foi copiada de nenhuma outra mulher; e não esperamos que as coisas reais se alterem. Não há motivo para esperar que a mulher altere sua atitude seja com relação à beleza da rosa ou as obrigações do anel de noivado. O que os críticos chamariam de romantismo é de fato a única forma de realismo. É também a única forma de racionalismo. 

Em resumo, os artistas estão sempre interferindo com a moral e a religião; e importaram para elas a inquietude, as mudanças de humor de seu próprio ofício. Mas um homem com um sólido senso de realidade pode ver que isso é completamente irreal. Sejam quais forem as leis da vida e do amor e das relações humanas, é tão monstruosamente improvável que mudem com cada moda na música quanto com cada moda nas roupas. Vou arriscar-me a dizer, portanto, e acredito que sem falsa vaidade, que permaneci enraizado em certas relações e tradições, não porque seja um sentimental, mas porque sou um realista. E percebo que a moral não deve mudar com os estados de ânimo, assim como o cubismo não deve significar cortar casas reais em cubos.

A verdade é que o mundo moderno teve um colapso mental, muito mais do que moral. As coisas são resolvidas por meras associações, porque há uma relutância em resolvê-las com argumentações. Quase toda a conversa sobre o que é avançado e o que é antiquado tornou-se uma espécie de animação cheia de risinhos sobre modas. O mais moderno dos modernos olha para um quadro de um homem cortejando verdadeiramente uma dama exatamente com a mesma espécie de sorriso vazio com que um caipira olha para um estranho com um chapéu da moda. Consideram seus pais como gente de outra era, exatamente como os mais provincianos olhariam para estrangeiros. Parecem mentalmente incapazes de ir além da afirmação de que nossas meninas usam os cabelos e as saias curtas enquanto suas tolas bisavós usavam cachos e vestidos armados. Isso parece satisfazer seu apetite pela sátira; são um tipo trivial, um pouco como selvagens. Não alterei minha forma de pensar por causa de pessoas que pensam assim, ao gosto da moda e das “tendências intelectuais”. Por que deveria fazê-lo?