Quando a vida começa?

Quando a vida  começa?


Décadas atrás, havia um programa infantil (ou nem tanto assim) chamado Família Dinossauro. Aquele do Baby, que dizia “Não é mamãe!!!”. Lembram-se? Dentre os costumes humanos e universais ali retratados, havia um bizarro. A partir de uma certa idade, os velhos eram arremessados para a morte do alto de um precipício. O dia era ansiosamente aguardado pelas famílias. 

Tratava-se de uma ideia bastante prática. Acabavam-se os incômodos que adquirimos na velhice, os quais muitas vezes recaem sobre a família, ou sobre o sistema de seguridade social. Quem vai dormir com o papai, quem vai colocar a mamãe no sol, quem vai pagar a cuidadora...  Tudo isso e muito mais seria evitado com o simples arremesso do alto de um barranco. 

Ok. Vocês devem estar questionando se alguém tem o direito de decidir sobre o encerramento de uma vida ou sobre a importância ou não da existência de outro ser humano.

Deveria ser simples, mas tornou-se uma questão complexa. 

Jesus foi direto: não matarás. Sem qualquer atenuante. Não há circunstâncias do tipo, mas e se... é não e pronto. Ainda assim, esse princípio só é válido para aqueles que acolhem as suas palavras. Bolsonaristas radicais teriam vários senões a incluir: os índios, os gays, os petistas... Petistas radicais também teriam suas reservas: os banqueiros, os industriais, os bolsonaristas... Portanto a fala de Jesus não é suficientemente abrangente para dizermos que o direito à vida é um valor universal.

A gente se esquece rápido, mas, no início da pandemia, quando as pessoas com mais de 60 eram o principal grupo de risco, muitos jovens, itaunenses incluídos, se revoltaram por terem que adotar medidas restritivas. Ouvi gente muito boa, aqui na terra de Santana, dizer que os velhos já tinham vivido o suficiente e que não era justo impor sacrifícios aos mais novos. É chocante, mas é verdade... E recente! 

Decidir que a vida de alguém tem menor valor e que pode ser interrompida já é um problema, mas outro pepino, que vai dar no mesmo lugar, é decidir se a vida já começou.

No ano passado, a correspondente do The New York Times, Elizabeth Dias, conversou com filósofos, cientistas e líderes religiosos sobre a questão e percebeu como o tema é escorregadio e muito mais abrangente do que ser meramente uma questão de saúde pública ou de liberdade individual, como muitos definem, apressadamente. 

Decidir quando a vida começa tem uma consequência óbvia: a partir daquele momento, o feto ou o embrião passa a ter direitos e a fazer jus à proteção do Estado. Sua morte intencional se torna, a rigor, assassinato.  

Para alguns, diz a pesquisa da Dra. Dias, a vida começa na concepção, ou seja, com a fecundação do óvulo, uma posição assumida pelos cristãos. Para outros, ser humano significa ter nascido e estar vivo. Entre esses extremos, o debate se concentra na determinação do tempo de gravidez, que seria suficiente para dizer se aquela vida já é humana, pois vida é claro que ela já é. 

Por muitos séculos, a Igreja Católica defendeu que “apenas almas batizadas podiam ser salvas”, atestando com isso que a alma era algo agregado posteriormente ao feto, ou seja, o humano só se tornaria um Ser Humano, filho de Deus, depois do batismo.

Entretanto, a partir da teoria da evolução de Charles Darwin, as especulações acerca da vida humana mudaram totalmente de rumo. Graças a Darwin, a definição sobre o momento no qual a vida começa adquiriu outro significado, como afirma o Dr. Nick Hopwood, professor do Departamento de História e Filosofia da Ciência da Universidade de Cambridge: “...o óvulo está vivo, o esperma está vivo, as células das quais eles se desenvolvem estão vivas: é tudo um continuum!”.

O seu estorvo pessoal pode ser um ancião ou um feto. Mas a pergunta que cabe é a mesma: a quem compete decidir qual vida preservar, qual vida descartar? Cartas para a redação.