Minha vida de artista

Minha vida de artista


Cursei os três últimos anos do ensino médio, o então chamado curso científico, no Colégio Champagnat, em Belo Horizonte, que ficava bem em frente ao tradicional Santo Antônio, famoso pela disciplina rigorosa e por seus alunos-prodígio, que disputavam os primeiros lugares nos vestibulares. 

Já os alunos do Champagnat tinham outro perfil. Eram contestadores e inventavam suas próprias regras. Muitos eram artistas e músicos. Os rapazes tinham os cabelos mais compridos e as meninas, as saias mais curtas. Mesmo assim, e apesar da leveza, a maioria dava o duro: o vestibular era um fantasma no horizonte de todo estudante. 

O ponto alto do ano letivo, em todas as escolas, eram as Feiras de Ciências. Elas eram abertas ao público em geral e a gente ia a muitas, pra conhecer as engenhocas feitas pelos alunos... e pra mapear novas garotas!

Porém, no Champagnat, onde já eram frequentes os shows de rock aos sábados, acontecia algo diferente: o ápice da feira de ciências não era a apresentação de pesquisas, mas um festival de música.  

Eu tinha acabado de entrar na escola e fiz amizade com um carioca, o Ricardo. Começamos a tocar violão. Ele era um virtuose e eu só tocava Beatles. Aprendi muito com ele. Ao ser anunciado o festival de música, resolvemos participar. Era tempo de Pink Floyd, daquelas músicas de 15 minutos e a nossa estava ficando grande. A letra vinha de uma história que eu havia escrito tempos antes: tinha muito pra contar... 

O dia foi se aproximando e a bendita música não ficava pronta, o que só aconteceu na véspera do evento. Corremos pra fazer a inscrição e voltamos pra casa, pros retoques finais, que não eram poucos. A regra era de que a ordem de apresentação seria a de inscrição e fomos os últimos. Tínhamos um colega, de outra sala, ligado ao Clube da Esquina e que também se inscreveu na última hora, mas ninguém ficou sabendo. Nem nós. 

O festival, amador é claro, estava bacana, com muitas músicas ao violão, histórias românticas e outras engraçadas. Faltava apenas um concorrente antes de nós e eis que entra no palco uma banda poderosa: duas guitarras, baixo, bateria, amplificadores potentes... Nos vocais, ninguém menos do que o Flávio Venturini, até então desconhecido. 

A apresentação deles foi monumental! Um som espetacular, músicos geniais, experientes. A música era linda!

Juro. Nem me lembrei que éramos concorrentes. Aplaudi de pé e até acompanhei um “já ganhou”! Mas aí, nos chamaram.

Duas vozes, dois violões, o Ricardo e eu estávamos bem entrosados. O público, ainda agitado pela apresentação anterior, foi silenciando devagarinho. A música era longa... mais de 6 minutos... começava lenta e melancólica, narrando as desventuras de um adolescente apaixonado, mas numa linguagem cheia de metáforas e de referências ao mundo hippie, do qual a gente ainda nem fazia parte, mas que já apoiava. No terço final, precedida por um breve instrumental que criava um clima de expectativa, acontecia uma explosão: atacávamos os violões com total energia, num canto de libertação e de descobertas! 

A plateia veio abaixo.   

Vencemos o festival e instantaneamente nos tornamos celebridades. Todos queriam comentar sobre a música e trocar uma palavra com a gente. Tapinhas nas costas? Dezenas.

Você pode estar pensando que eu contei essa história pra me gabar de ter superado o Flávio Venturini, um músico extraordinário, de raro talento, num festival. E tem razão! 

Esse é um dos pontos altos da minha vida de artista, uma carreira meteórica e que me trouxe apenas uma namorada, contrariando a lenda que cerca os ídolos pop. 

O estrelato passou depressa, mas foi o suficiente pra me tirar do caminho para a engenharia e me apontar a arquitetura. 

Com todo respeito aos engenheiros, a quem admiro, foi um alívio. 

P.S.: Essa história foi lembrada pelo Flávio numa entrevista: “... pô, aí entraram dois carinhas com uns violões e ganharam da gente!”

*Arquiteto, urbanista e professor M. Arts

Por: Sérgio Márcio Machado