HOMENAGEM - Em memória de José Waldemar, nosso irmão

Em 1944, a região que hoje corresponde a Rio Manso, localizada a 63 km de Belo Horizonte, ainda não era município — o que só viria a ocorrer oficialmente em 1962. Não há registros específicos ou relevantes sobre sua história até então. Bom, ao menos em termos gerais. Para a minha família, entretanto, algo de muito importante aconteceu por lá.
Naquele pequeno lugarejo, que vivia das atividades econômicas típicas da época, como a agricultura, e em pleno desenrolar da Segunda Guerra Mundial, nascia, em 5 de novembro, o menino José, primogênito do casal Marta e Ivo. Pouco tempo depois, a família se transferiu para Itaúna, onde ele cresceu ao lado dos oito irmãos que viriam ao mundo quase que em sequência anual.
Desde cedo, José mostrava ser uma criança diferente — para não dizer precoce. Era sério, responsável e muito curioso. Não me lembro de vê-lo chutando bola ou se divertindo nas brincadeiras que marcaram a nossa infância, ali na pequena Praça Dois de Janeiro, bem em frente ao que, até pouco tempo atrás, foi por muitos anos a nossa casa.
Hoje, 12 de maio, no exercício da memória que me rouba o sono, lembro-me com nitidez impressionante da barraquinha tosca de madeira que ele pediu ao nosso pai para instalar no gramado da pracinha. No pequeno “negócio”, improvisou prateleiras com verduras do nosso quintal, fubá, caixas de fósforo, entre outros itens de uso doméstico. Os vizinhos achavam engraçadinho aquele pequeno comerciante, que já sabia fazer contas e dar o troco com exatidão, sem lesar o freguês — nem a si mesmo. Assim começou a ganhar seus primeiros trocados. O empreendimento, embora de vida curta, foi um sucesso de vendas.
Mais crescido, passou a ajudar o pai na administração do bar instalado junto à Praça da Estação. O “Bar do Seu Ivo” marcou época pela diversidade de sua freguesia: vizinhos assíduos, caixeiros-viajantes que chegavam de trem e tipos populares e folclóricos, imortalizados pelas lentes do fotógrafo Osvaldo. José, então um pré-adolescente, gostava daquele burburinho — e dali recolheu muitos causos que, mais tarde, registraria em suas crônicas como jornalista. Em um de seus textos mais inspirados e divertidos, traçou o perfil do famoso “Doutor da Mula Ruça”. Imperdível!
O envolvimento com o bar não atrapalhou seus estudos. Pelo contrário: toda aquela vivência contribuiu para moldar sua formação e o amor pela cidade que adotou como sua. Inquieto, desde adolescente, revelou seu talento para o jornalismo e as artes gráficas. Com sua caligrafia perfeita e habilidade com os pincéis, começou a pintar faixas para propaganda de candidatos a prefeito e vereadores. No passeio da casa, estendia o tecido de algodão fino e barato que cobria com pigmento branco, o alvaiade. Incansável.
Além de irmão, eu o admirava profundamente por sua inteligência e caráter. Aprendi muito com ele. Como bem lembrou o colunista Sérgio Cunha, tive muitas aulas — especialmente de Direito Constitucional — quando, já aposentada, decidi estudar para concurso público. As lições vinham durante encontros em família ou mesmo nas viagens de carro. Ele ao volante, eu de carona.
Na época, o Brasil respirava novos ares. Itamar Franco acabara de assumir a presidência. Mas por que mencionar o homem que fundou a “República do Pão de Queijo”? Porque a instalação de um novo Tribunal Regional Federal, o TRF-6, já estava no horizonte. Zé, entusiasmado, me disse: “Pode esperar, você vai passar e será lotada em BH. Pode preparar sua toga!”. Rimos muito.
Tive o privilégio de acompanhar conversas entre nosso Zé e o professor Anis Leão, sempre com a presença espirituosa de Clênio, outro saudoso irmão. Guardei muitas publicações em que ele colaborou — e pretendo organizá-las para entregar à sua viúva Sônia, às minhas sobrinhas Sarah e Mary. Entre esses textos, um se destaca e sintetiza o que já foi dito sobre nosso irmão, jornalista, advogado e professor: em 1975, ano da Proclamação da Independência de Angola, ele escreveu com rara sensibilidade: “Angola, minha mãe preta.”
Não sou de escrever sobre assuntos de família, e cogitei bastante antes de tornar pública minha emoção — ainda sob o impacto do falecimento do nosso Zé.
Fiquem com esta singela homenagem à memória de José Waldemar Teixeira de Melo, ilustre cidadão itaunense por adoção, carinho e reconhecimento.
Agradeço, em nome de nossa família, todas as manifestações de apreço e solidariedade de parentes e muitos amigos. Nossos sinceros agradecimentos também aos repórteres e colunistas deste jornal pelas homenagens tão generosas.
Belo Horizonte, madrugada de 12 de maio de 2025
Maria Lúcia Teixeira de Melo