Isso é sério? E é grave, muito grave...

Isso é sério?  E é grave,  muito grave...


Meu Deus!!! Sinceramente estou começando este editorial sem acreditar que vou ter que emitir opinião e/ou criticar e/ou ainda tecer comentários sobre um assunto que, em minha opinião, é algo tão ultrapassado e tão natural hoje, que sequer merece argumentos, mas, em se tratando de um site oficial de um governo municipal e de uma Secretaria de Cultura, não há alternativas senão registrar o fato que, sinceramente, beira o pitoresco, pois a primeira reação diante do ridículo é rir, depois criticar e, no fim, concluir que é tão esdrúxulo que o melhor é comentar sob o argumento de que é preciso ficar registrado para que as gerações futuras entendam que literalmente, “em terra de cegos, que tem um olho é rei...”

O historiador Charles Aquino, um apaixonado pela nossa Sant’Ana do Rio São João Acima, registra nosso passado com muito trabalho e dedicação, confirmando o que já expus acima, pois é preciso que as gerações futuras entendam o passado para melhorar o presente e construir o futuro, e que, além de entender, respeite esse mesmo passado, fazendo dele um aprendizado ou mesmo utilizando-o apenas como registro histórico. 

E é nesse sentido que entendo ser necessário emitir a minha opinião, e mesmo que ela não sirva como parâmetro, é uma opinião. Pois, ao ler o que está escrito no site oficial da nossa Secretaria Municipal de Cultura, sinceramente, como já afirmado, dá vontade é de rir, pois, antes de escrever e registrar em um site oficial, é preciso ter a certeza de que está fazendo um registro centrado em documentos históricos e/ou em relatos feitos por antepassados e/ou historiadores que sabem o que estão fazendo. Não é apenas redigir e achar que “passou o recado” e/ou apresentou o fato ou contou a história. 

No caso em questão, quando nossos funcionários municipais historiadores, redatores e/ou jornalistas e/ou mesmo artistas redigem um texto de registro histórico e cometem erros absurdos e inadmissíveis e que podem levar a uma concepção errônea do nosso passado em se tratando de história, estão, além do erro inadmissível, em se tratando do passado, informando errado e eternizando equivocadamente, com um ataque sem parâmetro confiável, utilizando uma linguagem “chula” e agressiva. E o mais grave é que fazem esse registro de uma forma natural e cometem, na verdade, um crime de racismo e de conceito. 

Mas vamos aos fatos: como pode ser observado na coluna ao lado, em artigo assinado pelo historiador Charles Aquino, no site oficial da nossa Secretaria de Cultura, consta que os negros “ROUBAVAM a imagem de Nossa Senhora do Rosário e levavam para a nova capela, no alto do Morro”. 

É fato e não há justificativas para usar a palavra ROUBAVAM, que leva para um tom pejorativo e/ou que leva a uma interpretação de que, pelo fato de serem negros, então... É absurdo a narrativa e, mesmo que seja lenda, como também o redator ou a redatora destaca, afirmando: “Sendo lenda ou não, fato é que essa história inspirou a festa mais tradicional da cidade: o Reinado”. 

Outro erro. Não foi o fato de os negros não concordarem com a mudança de local da imagem para a nova Matriz construída na nova praça, abaixo do morro, que inspirou a nossa mais tradicional festa. Essa afirmativa, até certo ponto contundente, não é verdadeira. Não foi a concordância ou não dos escravos com a mudança da igreja e da imagem de local que motivou e/ou inspirou a festa do Reinado. Esse é um erro crasso. Foram as lembranças das manifestações religiosas africanas que levaram os negros a manifestarem a sua fé no entorno na Capela no alto do morro, hoje do Rosário. 

Como descendente de negros, e com registro histórico familiar (árvore genealógica) feito pelo então historiador Dr. Guaracy de Castro Nogueira, posso afirmar que sou fruto de uma mistura entre um português - filho do Senhor Antônio Gonçalves da Guia - e uma africana então escravizada, de nome Herculana. Pelos registros levantados pelo historiador Dr. Guaracy, sou então penta neto do então português Antônio Gonçalves da Guia. Assim, entendo que tenho o direito de, digamos, palpitar e até mesmo criticar a forma com que os registros histórico-culturais em relação a nossa mais popular festa, a do Reinado, foram publicados no site da nossa Secretaria de Cultura, principalmente acusando os meus antepassados e de milhões de LADRÕES, ao afirmar sem embasamento e/ou com embasamento equivocado, de que eles roubavam a imagem da Nossa Senhora do Rosário todas as noites...

É preciso estudar o passado com embasamento em registros cartoriais e não se pode simplesmente fazer um texto embasado em artigos históricos sem fontes impressas acreditando-se apenas nos contos e nas “lendas”. E, antes de tudo, é preciso um preparo acadêmico (que eu não tenho, por exemplo) para publicar registros históricos que vão levar gerações e gerações a conhecer e entender o passado. Que as reminiscências sejam não somente inspiração, mas, antes de tudo, sejam frutos para dados históricos centrados em registros, não apenas em achismo e/ou copia e cola. 

É preciso seriedade antes de se atrever a nominar negros e colocá-los como ladrões, mesmo que isso possa ser uma lenda. Então vivas e vivas à nossa cultura popular e que rufem os tambores no Alto do Rosário ano após ano. E salve, salve Nossa Senhora do Rosário, protetora dos nossos pretos e dos brancos, que ano após ano colocam a coroa e circundam as capelas do Rosário. Amém.