Dois pesos e uma Câmara: Sua Excelência, o Presidente Tõenzinho

Dois pesos e uma Câmara:  Sua Excelência, o Presidente Tõenzinho

Não cabe a mim, reles eleitor e cidadão itaunense, dar palpite sobre os destinos que os trabalhos da Comissão Processante deve decidir. Aliás, nem quero. Penso que na prática esta história está sendo mesmo é usada para a disputa política para a próxima Mesa Diretora da Câmara. Por isso, não o escrevo hoje, prezado leitor, para opinar sobre o mérito de cassação do cargo de vice-prefeito. O problema é a lambança que levará qualquer decisão da Comissão a não ter valor algum. E pode acabar gerando uma conta salgada para o Tõenzinho pagar no CPF dele.

Na última reunião da Câmara de Vereadores de Itaúna, Tõenzinho foi categórico ao explicar por que não declarou, de ofício, a vacância do cargo de vice-prefeito. “Não posso declarar a vacância de cargo sozinho”. O homem estava certinho. A lei municipal o designa como responsável pela declaração, mas em momento nenhum ela elimina o rito que deve ser deliberado pelo Plenário. Assim como ele é legalmente responsável por declarar a posse de prefeito e vice ou por promulgar uma lei, caso o Executivo não o faça, tudo isso só deve ocorrer após os ritos eleitorais e administrativos que dão legitimidade à ação dele.

Ganhou uma estrelinha, mas faltou ficar na frente do espelho e repetir a declaração para si mesmo.

Quando foi tratar da vacância de outro cargo, o de uma das vagas da comissão processante, o cara mudou tudo. “Optamos (disse em plural majestático) por atender ao pedido de declaração de suspeição do vereador Humberto”. De ofício, ou seja: em decisão dele próprio, derrubou formalmente um procedimento votado pelo Plenário inteiro. Isso mesmo. Você não leu errado. Meteu a caneta.

O Plenário aceitou que o nome do vereador Humberto fosse inserido na urna de votação e aceitou que Humberto fosse o escrutinador indicado pelo próprio presidente Tõenzinho. Talvez porque quisesse mostrar imparcialidade. Não é piada. Sua excelência jogou a bola para os demais vereadores, recebeu o aval, mas resolveu agora brincar de plenário de um homem só.

De ofício, ele anulou uma decisão colegiada. De ofício, convocou nova votação. E, de ofício, rasgou a liturgia que dá sentido ao próprio Legislativo. A Comissão Processante nasceu com DNA duvidoso: filha de um ato unilateral, criada à revelia do corpo que lhe deveria dar legitimidade. E o detalhe pitoresco é que, quando o primeiro centavo público for gasto por essa comissão, o problema deixará de ser meramente moral para entrar no campo da responsabilidade. O risco não é teórico. É contábil.

O artigo 37 da Constituição Federal faz soar o alarme: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os atos administrativos que emolduram a arte da política, como temos repetido, não podem gerar contradição de legalidade, antes de serem palco da legítima demonstração de vontade política. E vontade pessoal em contradição com a matéria pública é o primeiro sintoma da prevaricação moral, ainda que vestida de zelo.

A Câmara, que deveria ser o espaço da deliberação, virou palco de improviso. E todo improviso em matéria pública tem um preço: a erosão da confiança. Quando o Plenário é reduzido a uma plateia, o regime deixa de ser republicano e se torna monólogo. O rito não é burocracia, é vacina contra o despotismo. Não sabe? Está aprendendo? É obrigação do procurador da Câmara saber e orientar.

Promulgar, declarar, instaurar são atos de formalização, não caprichos. A função declaratória é dever de forma, não instrumento de poder. Quando o Plenário é atropelado, o rito deixa de ser instrumento de garantia democrática.

A Comissão Processante, que deveria nascer da deliberação do Plenário e da lisura do rito, veio ao mundo por parto forçado. E sem parteira. O vereador Humberto, que legitimamente integraria o processo, foi afastado por um ato solitário que não passou pelo crivo do corpo legislativo. Um órgão que investiga em nome da lei, mas nasceu fora dela?

Já imaginou o dia em que o presidente da Câmara autorizar o primeiro gasto público desta comissão? Existe um risco significativo de o erro deixar a teoria e passar a ter CPF orçamentário. Cada nota de empenho, cada assinatura, cada despacho. O ato ex officio, nascido do gesto de conveniência, pode se converter em vício de origem, e o vício, como se sabe, é hereditário: contamina tudo o que dele deriva. A Comissão Processante, que pretendia apurar, acabará sendo ela própria o caso a ser apurado. E Itaúna assistirá, mais uma vez, à ironia maior da política: quando quem deveria defender o rito se transforma em exemplo vivo do porquê ele existe.

Por Rafael Corradi Nogueira