A liberdade só existe na domesticidade da família

A liberdade só existe na domesticidade da família


Por Rafael Corradi Nogueira

Quando se fala de reformar as coisas, o que não é o mesmo que deformá-las (como tentam fazem os progressistas liberais - com a família, ou os protestantes, desde Lutero - com a fé), há um princípio claro e simples. Se existe, por exemplo, uma cerca ou portão construído cruzando uma estrada, o tipo mais moderno de “reformador” vai até ele e diz: “Não vejo a utilidade disto; que seja retirado”; ao que o verdadeiro reformador, mais inteligente, responderá: “Se você não vê a utilidade disto, certamente não deixarei que o retire. Vá embora e pense. Quando puder, enfim, me dizer que vê sua utilidade, talvez deixe você o destruir”. Este paradoxo repousa no mais elementar senso comum, conforme apresentaremos neste raciocínio, extraído da belíssima reflexão de G.K. Chesterton.

O portão ou a cerca não cresceu ali. Não foi posto por sonâmbulos que o construíram durante o sono. É altamente improvável que tenha sido posto lá por lunáticos fugidos do hospício. Alguma pessoa teve alguma razão para pensar que seria algo bom para alguém. E até que saibamos qual foi essa razão, não podemos julgar se era razoável. É muitíssimo provável que tenhamos deixado passar por completo algum aspecto da questão quando algo feito por seres humanos como nós parece completamente sem sentido e misterioso.

Porém a verdade é que ninguém deve destruir uma instituição social até que a tenha realmente visto como uma instituição histórica. Se souber como surgiu, e a que propósitos se propunha servir, ele poderá de fato ser capaz de dizer que eram propósitos maus, ou que se tornaram maus, ou que são propósitos a que já não serve mais. 

E quando, hoje em dia, vemos novelas, filmes e movimentos sociais que contam histórias argumentando não entenderem o motivo do ambiente doméstico tradicional podemos dizer aos entusiastas desta “modernidade”, com paciente benevolência: posterguem, por enquanto, a revolução sexual e de costumes que estão planejando até compreenderem por uma madura reflexão qual princípio ou preconceito estão violando. Então fundem um lar com a domesticidade tradicional, e o Senhor esteja com você.

Entre as tradições que são assim atacadas - não de forma inteligente, mas muito pelo contrário -, está a criação humana fundamental chamada Casa ou Lar. É a típica coisa que os homens atacam, não porque podem ver além dela, mas porque não conseguem vê-la de forma alguma. Golpeiam-na cegamente, de uma forma completamente acidental e oportunista; e muitos a derrubariam sem sequer pausarem para perguntar por que foi criada em primeiro lugar. É verdade que apenas alguns deles tê-lo-iam reconhecido com todas as letras. Isso só prova como são cegos e desajeitados. Mas caíram no hábito de afastarem-se e tornarem-se gradualmente indiferentes à vida de família, com a coisa mais extraordinária do mundo: um pai comum, uma mãe comum e seus filhos comuns.

Com frequência sugere-se que essa fuga do lar é uma fuga para uma liberdade maior. A mudança é apresentada como favorável à liberdade. Para qualquer um capaz de pensar, é claro, é exatamente o oposto. É um simples problema de aritmética o fato de que coloca um número maior de pessoas no controle supremo de alguma coisa, capaz de moldá-la de acordo com suas preferências pessoais, ao contrário das grandes organizações que governam a sociedade desde fora; sejam esses sistemas legais, comerciais, ou meramente sociais. Ainda que só considerássemos os pais, é evidente que há mais pais do que policiais ou políticos ou donos de grandes negócios ou proprietários de hotéis. O ponto principal é que o mundo externo ao lar está agora sob rígida disciplina e rotina, e é apenas dentro de casa que realmente existe um lugar para a individualidade e a liberdade. 

Qualquer um que ponha o pé para fora da porta é obrigado a entrar numa procissão, com todos seguindo o mesmo caminho e em boa medida obrigados, inclusive, a usar o mesmo uniforme. 

Se uma jovem quer fazer o que todas as outras pessoas bem resolvidas no seu individualismo fazem, fará isso pelo gosto à convenção, não pela liberdade. Não há nisso nada de particularmente novo, e com certeza nada de particularmente livre. 

Parece-me claro que essa distribuição normal nos milhões de pequenos reinos domésticos dá a maior quantidade de liberdade à maior quantidade de pessoas.

Minha queixa sobre o movimento antidoméstico é que ele é pouco inteligente. As pessoas não sabem o que estão fazendo, pois não sabem o que estão desfazendo. As pessoas destroem seus próprios lares por meio da mentalidade corrosiva de uma liberdade individual que só pode realmente florescer dentro do desafio que é viver em família. Há um sem-número de manifestações modernas, das maiores às menores, desde um divórcio até um relacionamento aberto ou uma convivência fraternal entre um homem e uma mulher que dividem o mesmo teto como sócios, em vez de serem casal. Mas cada uma delas é uma fuga ou evasão, especialmente uma evasão do ponto em discussão. 

As pessoas deveriam decidir de forma filosófica se desejam a ordem social tradicional ou não; ou se há alguma alternativa em particular a ser desejada. Ao invés disso, tratam a questão pública simplesmente como uma confusão ou amontoado de questões privadas. Mesmo quando são antidomésticos, eles são domésticos demais em seu teste de domesticidade. Cada família considera apenas o próprio caso, e o resultado é meramente estreito e negativo. Cada caso é uma exceção a uma regra que não existe. A família, especialmente no Estado moderno, necessita de uma considerável correção e reconstrução; a maioria das coisas precisa disso no Estado moderno. Mas a mansão da família deveria ser preservada ou reconstruída; não se deveria deixar que caísse em pedaços tijolo após tijolo porque ninguém tem nenhuma noção histórica do objetivo do ato de construir.