Cidadãos de bem, apenas o próprio

Cidadãos de bem, apenas o próprio


Uma das denominações que me causa mais repulsa, e já há algum tempo, é a expressão cidadão de bem, que foi adotada pela seita bolsonarista desde antes do primeiro mandato para delimitar os seus seguidores, tornando-se a alcunha das pessoas que seriam melhores e mais santas do que os meros mortais, os não cristãos, os progressistas, ou qualquer ser que não corrobore com as invenções que saem e entram em suas mentes com todo tipo de bizarrice.

Todos os demais, e aqui me incluo, são cidadãos do mal, comunistas, satanistas. Mas não fique triste, até o Papa Francisco foi chamado assim pela seita. A lista de cidadãos do mal é extensa para essa gente de bem: tem também o padre Júlio Lancellotti, tem a Xuxa, tem os jornalistas, tem os bispos da CNBB, tem os atores globais, tem os artistas/cantores que querem sugar a Lei Rouanet, tem a agenda da esquerda (risos), tem os políticos que gozam do mínimo de bom senso (ínfimo mesmo, até liberais), tem o comércio pró-esquerda e o diabo a quatro — Eu tenho certeza de que o Ricardo Boechat também seria incluído, saudades.

Porém o curioso é que, se tem algo de podre acontecendo, pode saber que tem cidadão de bem no meio, já falei de seus feitos por aqui várias vezes. Mas nesta semana as suas atitudes alcançaram o ápice até o momento, que espero ter sido o máximo a que chegaram. Após a prisão do cacique José Acácio Serere Xavante, em Brasília, na segunda-feira, 12 — mesmo dia da diplomação de Lula —, incitados e apoiados publicamente por Bolsonaro dias antes, os cidadãos de bem mostraram sua verdadeira face sem qualquer máscara, foi uma quebradeira, fogo em veículos de civis que passeavam em shopping, em carros parados em postos de gasolina e em ônibus do transporte público, lançado de viaduto, ataque à agência da Polícia Federal. Terrorismo mesmo – e nenhum dos patriotas foi preso. 

No dia seguinte, 13 de dezembro, a manchete do jornal Correio Braziliense foi: “Democracia sim, terrorismo não”, com as fotos de Lula sendo diplomado do lado democrático e as cenas de fogo e baderna junto ao terror. Até que enfim os cidadãos de bem sendo chamados pelo que são e de acordo com seus atos: terroristas, golpistas, “muitos deles vestidos com o uniforme da Seleção e cobertos com a bandeira nacional”, detalhou o Correio.

A prisão do cacique-pastor (acusado de promover atos antidemocráticos em espaços públicos e convocar os seguidores para impedir a diplomação), ordenada pelo STF para manter a ordem, foi apenas uma desculpa para o caos, pois situações semelhantes às de segunda vêm ocorrendo, e sendo toleradas, desde o dia 30 de outubro, cometidas pelos que não sabem perder e ainda não entenderam que as 72 horas nunca vão chegar. A realidade não é um post fake de WhatsApp, podem chamar os ETs na porta de quartel o quanto quiserem, eles não querem vocês.

Antes da noite de terror na capital federal, para citar poucos exemplos das cenas nas rodovias até então, teve pai impedido de levar o filho de 9 anos para fazer cirurgia e não ficar cego; teve idoso sendo espancado em via pública, porque furou bloqueio; e agora a constatação de que alguns caminhões parados em protestos nas estradas têm ligações criminosas: “envolvidos em crimes como tráfico de drogas, contrabando e crime ambiental registrados pela polícia”, afirma o Jornal de Brasília. É muito ato benéfico pro meu gosto. Se investigarem os caminhões usados em Itaúna, pode ser que encontrem coisas semelhantes ou até piores, viu... cidadãos de bem não faltam na nossa terra. Procurar dentro das igrejas é minha primeira dica.

Outra informação que me desperta curiosidade é que a maioria dos protestos estão nas regiões onde funcionam empresas investigadas pelo Supremo por financiar os atos pró-golpe, das 33 em investigação, 28 estão no centro-oeste do Brasil. Muita coincidência, né? Quero ver se o patriotismo vai durar quando chegar janeiro e for a hora de colher e transportar a soja por aquelas estradas...

Eu, como cidadã do mal, não vou negar, adoro ver o circo pegar fogo para o lado de golpista e vê-los sendo chamados pelo que são: terroristas. Cadeia neles! — já que eu pretendo ir para o céu, não vou desejar enforcamento em praça pública para não correr o risco.

Patrícia Campos