Que debate é esse?
No Brasil tem-se falado muito em ‘direita’ e ‘esquerda’, em ‘liberalismo’ e ‘comunismo’, mesmo que a maioria das pessoas que abordam esses termos, sequer saibam o que eles significam. Eu, como já disse antes, acho que isso tudo é apenas uma maneira que a maioria dos políticos encontrou, de ir nos enrolando...
Dito isto, observemos o que cada grupo, apesar de suas afirmações, tem praticado em termos de ideologia. Os “esquerdistas” que se dizem ‘socialistas’, pois temem o termo ‘comunista’; e os direitistas que se afirmam ‘liberais’, no dia a dia da política nacional, parecem desconhecer o que significa os rótulos que se dão.
Pelo lado dos primeiros, vemos a direção do maior partido ‘da esquerda’, o PT, abraçar ditadores como o Nicolás Maduro, da Venezuela. Quem tem dúvidas, vá lá na página do PT e leia a nota que começa pela seguinte afirmação: “O PT saúda o povo venezuelano pelo processo eleitoral ocorrido no domingo, dia 28 de julho de 2024, em uma jornada pacífica, democrática e soberana”. Que postura é essa? De pacífica, democrática e soberana, a eleição naquele país vizinho nada teve. E o encaminhamento daquele governo, assim como o nosso, que atualmente tem um petista no comando, nenhuma relação apresenta com o conceito progressista que se vê nas propostas socialistas, ‘de esquerda’. Nunca ouvi falar de um banqueiro comunista, mas eles é que têm os maiores privilégios, também nos governo ‘da esquerda’, por aí afora.
Já os “liberais”, que no programa do maior partido dito ‘da direita’, o Partido Liberal (PL), tem um parágrafo em que afirma que os partidários devem defender “maior liberdade de comércio exterior, de investimento e financeira. Com a ausência de barreiras tarifárias e não tarifárias à importação e exportação...” – e quem duvida, dá uma lida no programa do PL. Mas apesar de o programa afirmar isto, eles ficam todos só elogios ao Donald Trump, recém-eleito para um novo mandato nos Estados Unidos porque ele “é de direita”. Ele, o demo, ops, o Trump, tem como principais bandeiras de sua proposta administrativa, a expulsão dos estrangeiros “ilegais” – onde está a liberdade de ir e vir, tão defendida pelo liberalismo? – e a taxação das importações. Uai? E a “ausência de barreiras” que o partido defende? E a li-ber-da-de, como afirmam, direito inalienável de todo cidadão?
Mas, mais absurda ainda ficam as posições dos políticos, de um lado e de outro, quando se coloca na mesa, discussões que realmente interessam à população, como a necessária discussão sobre a jornada de trabalho, resumida no momento em debater a escala 6x1 (seis dias trabalhados por um dia de descanso). E acrescente-se que só passaram a falar sobre o assunto quando a questão virou disputa de “nós, contra eles”, de “esquerda, contra direita”, que é o que lhes interessa.
Ambos os lados abordam a questão com a superficialidade com que abordam todos os demais temas importantes para a Nação, como a necessidade de conter os gastos. Preferem, quando tratam da contenção de gastos, por exemplo, falar sobre o déficit da previdência, e nunca sobre os absurdos que são praticados em favor deles, com mordomias dadas a eles mesmos e a seus apadrinhados/amigos/patrocinadores; medidas que eles aprovam nas câmaras, nas assembleias e lá no Congresso, sem muito ou até nenhum debate.
Quando se fala em corte de gastos, apontam a previdência social e se esquecem dos salários nababescos de algumas classes como a deles, os políticos e de alguns “encastelados” nos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Não se questiona, por exemplo, a jornada de trabalho de vereadores, deputados, senadores, magistrados, que nunca será a 6x1 a que os trabalhadores são obrigados a se sujeitar, por exemplo.
E aprovam aumentos salariais para si mesmos, com a desculpa de que precisam custear o ‘trabalho parlamentar’ (que trabalho é esse? Rsrsrs), que administrar um município é ‘arriscado e exige dedicação exclusiva’, mas nunca explicam por que quase se matam por cargos que “exigem tanto sacrifício”. E aprovam até absurdos planos de saúde para vereadores, por exemplo, como se verear fosse profissão a ser exercida como a de trabalhadores de escala 6x1 que, aliás, quase não têm assistência médica, imaginem planos de saúde...
Não propõem o debate, por exemplo, sobre a modernização dos meios de produção que permitiu aumentar o rendimento a partir do apoio de máquinas, e que permitiria a redução na carga trabalhada e até o aumento do salário pago. Tudo se resume, na opinião deles, à luta da “direita contra a esquerda” e vice-versa.
Será que é para não incomodar a classe do “andar de cima”, como diz o Élio Gaspari? Essa questão da jornada de trabalho estafante precisa ser, pelo menos, debatida com seriedade, como outras questões, aliás. É até fácil entender que, se um homem plantava mil covas de soja por semana, usando uma enxada; hoje ele planta 10 mil por dia, usando uma máquina, assim ele aumentou a produção inúmeras vezes, e não recebeu nenhuma compensação por isto. O benefício foi só para ‘o dono do meio de produção’, como afirmam “marxistas de happy hour”.
A realidade do trabalho mudou, modernizou, ganhou novos contornos, e a força de trabalho permaneceu presa a conceitos antigos. É preciso, sim, debater a jornada de trabalho, as mudanças necessárias para que as pessoas possam trabalhar, sim, mas serem mais bem recompensadas por isto, até para que possam trabalhar melhor e, consequentemente, produzir mais e, com isso, gerar mais lucros. Mas, para isso, é preciso que se deixe de lado os interesses de grupos que só desejam manter suas mordomias, seus status quo, status aliás conquistado a partir da enganação geral que praticam sobre a grande maioria.
O debate sobre uma nova jornada de trabalho não deve nunca servir à disputa ideológica, porque assim, só alguns ganham. Essa discussão precisa servir à maioria, como aliás deveriam ser os debates em sociedade. Política se faz, buscando atender ao maior número de envolvidos, possível, sem deixar de fazer a defesa dos mais fracos. Debate político de viés ideológico só beneficia uns poucos, que são os mesmos que aí estão, há alguns anos, defendendo títulos de “ortoridade”, que mantém a custo de muita enganação, como diria um amigo meu...
* Jornalista profissional, especialista em
comunicação pública e membro da Academia
Itaunense de Letras – AILE, titular da Cadeira 26.