Gabriel da Silva Pereira: o fundador

Gabriel da Silva Pereira: o fundador

Exatamente como nos ensinam as pesquisas em fonte primária do historiador Guaracy de Castro Nogueira; em Barcelinhos, norte de Portugal, nasceu aquele que a tradição reconhece como fundador de Itaúna: o sargento-mor Gabriel da Silva Pereira. A documentação encontrada no Arquivo Judiciário de Pitangui confirma que foi ele o primeiro a pisar o solo itaunense, por volta de 1720, abrindo a picada que ligava o arraial de Bonfim à vila de Pitangui. Nesse gesto inaugural está a semente que fez germinar, ao longo de séculos, o que hoje reconhecemos como o tecido humano e histórico de Itaúna.

Na Universidade do Minho, em Guimarães, o Dr. Guaracy identificou pistas desse percurso. Pesquisadores portugueses ajudaram a reconstruir as origens de Gabriel, a partir do registro de batismo de Bartolomeu Pereira da Silva, casado em 1673 com Caetana da Silva, pais de Antônia Pereira. A ela, uniu-se Gabriel, antes de atravessar o Atlântico. Os documentos indicam que chegou ao Brasil com aproximadamente vinte anos, em meio ao fervilhar do século XVIII, quando o ouro mineiro atraía multidões. Em pouco tempo, Gabriel se tornaria referência entre os homens que transitavam pelos caminhos do sertão, fixando-se na região das nascentes dos afluentes do São João.

A trajetória do sargento-mor foi marcada pela coragem de se estabelecer em território ainda inóspito. A Picada do Rio São João, que ele abriu e percorreu, tinha cerca de 108 quilômetros, ligando Pitangui à região de Pará de Minas. Aquele caminho estreito e escarpado tornou-se passagem estratégica, margeando serras e vales, por onde circulariam não apenas homens e animais de carga, mas também as primeiras notícias de um mundo que se organizava. Foi nesse espaço que Gabriel inscreveu seu nome e legou uma descendência que atravessaria gerações.

Os registros mostram que a convivência de Gabriel com escravas, ao tempo de solteiro, resultou no nascimento de filhos. Entre eles estavam Francisco da Silva Pereira e Francisca da Silva Pereira. Francisco seguiu vida modesta, mas sua descendência ainda se fez presente na região. Francisca, unida a Manoel Pinto de Madureira, gerou nova ramificação genealógica que se entrelaçou ao destino de Itaúna. Essa realidade, longe de reduzir a importância do fundador, ilumina a complexidade das relações coloniais, onde escravidão, afetos e alianças se misturavam em narrativas familiares nem sempre simples.

Mais tarde, Gabriel se casou legitimamente com Florência Cardoso de Camargos, filha de João Lopes de Camargo, um dos fundadores de Ouro Preto. O matrimônio, celebrado em 1739, na capela de São Francisco Xavier em Cachoeira do Campo, uniu duas linhagens expressivas. Dessa união nasceram vários filhos, todos registrados e reconhecidos pela tradição genealógica.

Descendentes, como José Faustino de Camargos e Gabriel da Silva Camargo, ampliaram a genealogia. As gerações seguintes se ligaram a famílias como as de Miguel Fernandes, José Pereira de Andrade e Joaquim Pereira de Camargos. A constelação de nomes atesta a importância de Gabriel como tronco fundador, de onde irradiaram linhas que, até hoje, sustentam a memória de Itaúna.

Entre os descendentes diretos, a história registra figuras notáveis que marcaram a vida contemporânea da cidade e do país. Prefeitos, empresários, advogados, médicos e líderes comunitários carregaram em seus sobrenomes e em suas trajetórias o eco do pioneiro que atravessou o oceano. Osmando Pereira, eleito prefeito em três mandatos, e o empresário Meroveu Pereira de Camargos são apenas dois exemplos de como esse legado se projetou para além da esfera privada, atingindo dimensões públicas e institucionais.

As fotografias dos descendentes, dispostas como mosaico de rostos e gerações, revelam mais do que linhas de sangue. Mostram a persistência de um espírito fundador que se renova. Cada olhar registrado traz consigo a força de quem, no início do século XVIII, ousou enfrentar sertões e rios incertos, erguendo uma história que se projetaria até nossos dias.

A memória de Gabriel da Silva Pereira, portanto, não se encerra em datas ou nomes isolados. Ele representa o ponto inicial de uma caminhada coletiva, e seu nome permanece como símbolo da coragem que funda, da fé que sustenta e da determinação que transforma. Não falamos apenas de genealogia, mas do testemunho vivo de que a história de Itaúna nasceu com raízes profundas e permanece entrelaçada às veredas abertas por esse português de Barcelinhos. Até hoje.