O cuspe - PARTE 1*

O cuspe - PARTE 1*


 Gonçalo o velho portuga, tinha hábitos curiosos. Cuspia regularmente, coisa que era nojento, corrigi-lo foi tarefa, que Cândida sua mulher tentou, contudo jamais conseguiu. Outra coisa curiosa é que ele cuspia sempre sobre o ombro esquerdo e não raras vezes isso causava confusão, porque já cuspiu no pé do prefeito, no colo da mulata Quitéria. Nessas oportunidades tudo se remediou com meras desculpas, até o dia em que acertou quem não devia, o capitão de polícia Antenor Natário do Nascimento, mais conhecido por CAPETÃO, ninguém em são juízo se metia com ele, era iracundo, intolerante e inflexível, pedido de desculpas, certamente, não seriam sequer considerados.

O capitão tomou aquilo por desfeita e falou para ele limpar a farda e o português para piorar a situação foi logo dizendo “ora, ora, pois, pois, nem que a vaca tussa” e adivinhe só, a cusparada custou-lhe ir amargar no xilindró. Dona Cândida desesperada procurou o Silverinha, ex-policial e agora advogado criminalista da comarca, se ele não soltasse o pobre Gonçalo ninguém soltava.

Assim foi ela dizendo:

- Ô doutor Silveirinha, prenderam o Gonçalo, por causa de uma cusparada. 

O Silveirinha não aguentou e quase chorou de tanto rir, mas logo se controlou e disse que iria até o delegado, porque aquilo sequer era crime, não passava de um mal-entendido e logo ele seria solto.

Silveirinha perdeu a graça, quando soube em quem o Gonçalo havia cuspido e arrematou: 

- Se ele tivesse cuspido num soldado ou num cabo, tudo bem Dona Cândida, mas tinha que ser o Capitão? Posso garantir que se fosse, mesmo, o major, seria mais fácil. 

O delegado não estava na cidade e só voltaria na sexta-feira, quando ouviria primeiro o capitão, depois as testemunhas e por fim, então, ele tomaria o depoimento do Gonçalo. 

O Silveirinha fez de tudo para agilizar e considerou um tremendo azar, que o portuga tivesse cuspido no capitão logo no domingo e pelo andar da carruagem não sairia antes da outra segunda. Pensou seriamente em procurar o Juiz Genaro Antunes e quem sabe fazer um embargo de orelha, às vezes uma boa conversa de pé de ouvido costuma ser mais frutífera que qualquer coisa, mas o Juiz também, quase fora atingido pelo cuspe do português, na parada de sete de setembro do ano anterior e por certo não haveria de aliviar a situação. Como não havia outro caminho, fez o pedido de relaxamento e como só tinha uma vara criminal o procedimento foi distribuído para os cuidados do Juiz Genaro.

Tudo feito, da maneira mais célere possível e no mesmo dia, agora era só esperar o despacho do Juiz e ver quais outras providências a tomar.

Parece que não era questão de azar, era de fato uma querela em relação ao cuspe, afinal o Juiz fez concluso o processo e pela demora de já dois dias, estava parecendo um caso de embargos de gaveta, muito comum nas comarcas do interior, quando o indivíduo é antipatizado e tido como um estorvo, o que dificulta o trabalho de qualquer rábula, que se prese.

Enquanto isso, o português esperava no xadrez. As visitas aconteciam sempre nas quartas-feiras e domingos e nessa quarta Dona Cândida, que nunca tinha entrado na cadeia pública, lugar que ela jamais passara, nem de perto, agora cruzava cabisbaixa os umbrais do presídio municipal. A humilhação não parou por aí foi apalpada na revista e achou que o carcereiro demorou com as mãos nas suas nádegas, teve certeza de que não fora só impressão por causa daquele sorrisinho de canto de boca que ele deu seguido de uma piscadela safada. Ah! Se o Gonçalo soubesse, aí é que ele não saía mais de vez da cadeia, porque esse cabra iria fazer entrevista com o capeta e ela não estava pensando no capitão, mas no maioral das profundas.

Passado esse constrangimento chegou a hora de ver o Gonçalo, num primeiro momento, ela pensou que ele estivesse um tanto deprimido, mas foi só ele vê-la lá que, depois de uma cusparada, foi perguntando:

- O que que você veio fazer aqui? 

- Num tá vendo, vim te visitar.

- Pois não devia, isso aqui não é lugar para mulher direita vir.

- Tinha que saber como você estava, se tá precisando de alguma coisa e te informar que contratei o Silveirinha.

- Ora mulher, isso já sei ele esteve aqui. Tive que assinar uma procuração, mas o problema é quanto ele tá cobrando por uma besteira dessa. 

Nisso, para não perder o hábito, cuspiu de novo.

- Gonçalo! Você bem que podia aproveitar a deixa e parar de vez com isso. Olha só a tranqueira, que deu isso tudo.

  - Preocupa não Cândida, é certo que o Doutor vai me tirar daqui logo, logo. 

- Não será antes de segunda, segundo ele, porque o delegado só volta na sexta e até agora o meritíssimo não despachou no processo. 

- Esquenta não, estou bem e até já enturmei por aqui, tanto que vou voltar para o meu carteado.

- Domingo eu volto. 

- Volta nada, não confio naquele carcereiro, espera em casa, que já estou saindo.

*Continua na próxima edição

Por:Cláudio Lisyas