Cascas de banana

Cascas de banana


Os carros ainda não dominavam as cidades e na hora do recreio, embora a escola tivesse cantina, todo mundo ia lanchar na padaria de frente ao Colégio Champagnat, na Savassi. Fechávamos o trânsito da rua Santa Rita Durão (que não é uma santa, mas foi um frei, poeta e defensor dos indígenas brasileiros). Eu ia, mesmo sem grana para a empadinha, porque era um social animado e num desses dias perdi a hora. Ao voltar, dei de cara com o Seu Oswaldo, o disciplinário. Me viu de longe.

O disciplinário, que em épocas ainda mais passadas atendia pelo nome de bedel, tinha a função de cuidar da disciplina nas escolas, mas era também uma espécie de conselheiro. O Seu Oswaldo estava sempre circulando, questionando os cabuladores de aula, os fazedores de hora e quem chegava atrasado. Perguntava os motivos, recomendava mais empenho e se você tinha sido posto pra fora de sala, emendava uma conversa mais demorada sobre a vida estudantil e suas responsabilidades. Se você insistia na vagabundagem, ele te mandava para a secretaria, que providenciava um bilhete para os pais na sua caderneta e às vezes te suspendia das aulas. Era um mundo de limites largos, mas de regras claras.

Me lembrei dessa figura e do seu papel tão importante, por oposição à ideia estúpida de se colocar policiais nas escolas. Penso que seria bom se elas contratassem pessoas como o Seu Oswaldo, que conhecia todos os alunos e tinha tempo para uma conversa informal, discreta e pessoal com cada um. Ele não tinha gabinete e circulava pelos pátios e corredores, como quem não quer nada: fazia parte da paisagem.  

Os professores não têm tempo pra isso e para o estudante, ser mandado para a diretoria ou para conversar com um orientador, ofende a sua privacidade, criando um estigma que só piora as coisas. O assunto da conversa com o Seu Oswaldo podia ser o tempo, o jogo do domingo ou qualquer outro, ninguém saberia.   

Já os policiais, por mais que sejam bem-intencionados, não estão preparados para essa função, a menos que sejam formados em Assistência Social, Psicologia, Pedagogia ou áreas afins. Formados e com experiencia, pois esses cursinhos caça-níqueis que andam por aí, só servem para desqualificar as profissões e inflar o ego dos titulados.

Mesmo a ideia de contratar psicólogos para dar atendimento aos alunos é pouco razoável: como é que um profissional vai atender, de modo individualizado como é necessário, dezenas de crianças e adolescentes? O seu papel poderia até ser o de recomendar apoio psicológico, mas isso os conselhos de classe podem fazer. Caberia aos pais a escolha de um profissional, até mesmo pago pelo estado, quando justificável. 

Alguma maldição empurra o Brasil para as piores decisões, nos levando a colher frutos ruins mais à frente: somos especialistas em arremessar cascas de banana pra onde ainda vamos passar. 

Colocar policiais nas escolas é tão ilusório quanto foi tentar resolver os problemas de insegurança aumentando a altura dos muros. Depois colocando cercas elétricas e em seguida, cercas-navalha. Breve, bazucas. 

No caso dos estudantes, algumas crianças e adolescentes tem problemas que precisam ser trabalhados antes que comprometam de vez, mentes ainda verdes e promissoras. A educação formal tem um grande peso nessa ação, mas será difícil obter sucesso sem o envolvimento das famílias. Por outro lado, há também um problema coletivo: a formação de milicias digitais que cultuam a violência, além de grupos informais que a propagam com o seu comportamento, até no nosso dia a dia. É aí, e não olhando desconfiada para um aluno mais rebelde, que a polícia se torna fundamental: na identificação e no combate aos crimes fora da escola.

Atacar os sintomas e deixar as causas intocadas tem desgastado a nossa sociedade, minando o seu ânimo e transformando-a cada vez mais num ajuntamento de pequenos grupos, focados nos próprios interesses. 

Numa cidade com o tamanho ainda administrável e com o potencial que tem Itaúna, deixar que a urbanidade se deteriore, como está ocorrendo sob os nossos olhos, é frustrante. Precisamos juntar forças e equacionar uma cidade melhor pra todos. Mudanças de consequências imprevisíveis se avizinham e, desagregados, estaremos mais vulneráveis.

*Arquiteto, urbanista e professor