A Paixão de Cristo e nossas obras quaresmais

A Paixão de Cristo e nossas obras quaresmais


Na semana mais importante do ano, quando participamos de nossa dolorosa Salvação, na Cruz de Nosso Senhor – vale ainda refletirmos sobre o quanto estamos convencidos da importância deste momento.

Sabemos que Deus é o fim último de nossa vida e que é apenas nele que seremos felizes. Mas estamos realmente convencidos disto? Cremos, de fato e na prática, que é Ele a nossa verdadeira felicidade? Organizando as reflexões de Lúcio Navarro, Padre Paulo Ricardo e Santo Tomás de Aquino chegamos a uma bela reflexão.

A dificuldade, porém, é que todo projeto de felicidade limitado a esta vida está fadado, sempre, a um mesmo fim: desfazer-se na hora da morte. Família, prazer, sucesso profissional, ter uma vida honrada, tudo isso nos há de abandonar na última hora; perderemos nossa família, já não haverá sensações agradáveis, nossa carreira será menos do que uma nota de pé de página na história, nossa honradez e civilidade perder-se-ão na memória dos tempos. Vemos uma busca incessante por felicidade. Junto com o fato de essa felicidade não estar à disposição e, ainda que estivesse, não poder ser senão algo parcial e temporário.

A Revelação divina nos mostra que o homem, cume de toda a criação, foi feito, sim – a princípio, para ser feliz neste mundo, no jardim das delícias que o Senhor lhe preparara; mas, seduzido pelas mentiras do diabo, ele, cheio de orgulho, quis ser feliz sozinho, de acordo com seus próprios critérios.

O livro do Gênesis diz que “Deus criou o ser humano à sua imagem”. Antes disso, o pecado já existia, não por natureza, mas pela má vontade dos anjos decaídos, os demônios. Foram eles quem, por inveja, se aproximaram do primeiro homem para tentá-lo.

O demônio lhes tentou, invertendo o apelo de Deus e transformando em atrativo aquilo que era proibido: “De modo algum morrereis. Pelo contrário, Deus sabe que, no dia em que comerdes da árvore, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal” (Gn 3, 4-5). Seduzidos pelo maligno, os primeiros pais pecaram e a desordem entrou na humanidade.

São João entendeu bem isso, quando escreveu que “tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a ostentação da riqueza [a soberba da vida] – não vem do Pai, mas do mundo” (1 Jo 2, 16).

Tratam-se de três libidos.

A primeira, a libido amandi, é o apetite desordenado que “tem por objeto tudo o que pode fisicamente sustentar o corpo seja para a conservação do indivíduo, alimento, bebida etc., O objeto dessa concupiscência é tanto a gula quanto o sexo desordenado. É curioso que, na mesma época em que se vê o fenômeno da anorexia, de meninas que morrem de fome porque não querem comer, percebe-se uma humanidade que busca o prazer venéreo, mas não quer assumir a responsabilidade dos filhos. As pessoas querem comer, mas não querem engordar; querem fazer sexo, mas não querem estar abertas à vida.

A segunda, a libido possidendi, “é a concupiscência animal, e tem por objeto as coisas que não se apresentam para a sustentação e o prazer da carne, mas que agradam à imaginação ou a uma percepção semelhante, por exemplo, o dinheiro despropositato, o ornato das vestes que coloca a vaidade como centro e fim último. É esta espécie de concupiscência que se chama de concupiscência dos olhos.

A terceira é a libido dominandi. É a soberba fundamental de querer ser igual a Deus, como fez Satanás. Essa libido deseja algo só porque essa coisa é difícil de se conseguir, de se alcançar. É o apetite desordenado do bem difícil.

Deus, porém, cuja misericórdia é infinita, a fim de remediar o mal que nós mesmos nos causáramos, quis dar-nos a chance de sermos felizes, não já com uma felicidade humana e natural, mas com uma felicidade divina e sobrenatural. Foi por isso que Ele, na plenitude dos tempos, enviou-nos o seu Filho unigênito, nascido de mulher por obra do Espírito Santo, para que, abraçando nesta terra a cruz de nossas dores e infelicidade, nos merecesse a graça de sermos eternamente felizes com Ele no céu, aonde chegaremos, em primeiro lugar, em virtude da fé que o mesmo Senhor nos pede e inspira.

É para combater essas três causas do pecado que precisamos praticar as três obras quaresmais, verdadeiros remédios espirituais: o jejum – combate a concupiscência da carne (gula e a luxúria), a esmola - combate a concupiscência dos olhos (avareza) e a oração combate a soberba da vida (vaidade). 

Interessante que também aqui se identificam os nossos relacionamentos com o outro, com as coisas e conosco mesmos. Se abusamos de outra pessoa, usando-a como objeto para obter prazer, estamos cedendo à concupiscência da carne; se idolatramos as coisas, pensando estar nelas a nossa felicidade, cedemos à concupiscência dos olhos; e se fazemos de nós mesmos deus, estamos na soberba da vida.

Eva abriu suas mãos em direção ao lenho da árvore, a fim de tomar para si a maçã, ludibriada pela serpente que a prometeu ser como Deus, enquanto buscava a felicidade da vida nesta terra. Jesus Cristo, abriu suas mãos para a direção oposta ao lenho da Cruz, a fim de doar tudo de si e entregar-se à Salvação da humanidade, enquanto morria e se sacrificava nesta terra e partia para sentar-se à direita de Deus pai na vida eterna.

Por Rafael Corradi Nogueira