O professor Jeremias
Gosto de intercalar minhas leituras com livros nacionais e venho adquirindo ultimamente livros de autores desconhecidos. Aqueles de quem jamais tive notícia. Assim foi que tomei conhecimento no sebo da banca deste volume, que tenho em mãos, gostei da proposta e numa olhadela rápida lendo as orelhas pude perceber, que a obra em questão é um livro escrito em 1920 e que foi muito bem recebido pela crítica.
O primor da escrita deste paulistano, seu vocabulário escorreito, o humor intelectual associado a ironia constante, deu-lhe a alcunha de um Machado de Assis ressuscitado.
Lamentavelmente com o passar dos anos foi para a prateleira de baixo e esquecido, mas a Fundação Casa Rui Barbosa e a Bom Texto Editora fizeram este resgate, sem o qual certamente não teria contato como leitor.
Leo Vaz foi prolixo, escreveu por longos 30 anos, mas é esta obra que o eternizou. Está incluída na chamada literatura nacionalista.
É um livro de memórias escrito em forma de missiva de um pai para seu filho, do qual foi privado de ver, desde que o menino tinha treze anos, quando foi levado por sua mãe, resultado de um divórcio entre o professor Jeremias e a pedagoga Antoninha.
O professor Jeremias começa sua narrativa com uma errata, que fora publicada num dos volumes da RELAÇÃO ANUAL DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS DO ESTADO e que faz esclarecimentos de quem se tratava o personagem em questão e já neste momento o autor o faz com certa ironia e picardia em crítica aberta aos possíveis detratores, posto que esquecido de figurar no rol de professores do Estado.
Este tom debochado nos faz lembrar o início do romance MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS, que também desafia o leitor a ler ou abandonar a leitura e mantém um diálogo com o mesmo com algum desdém, que no final acaba por conquistá-lo a fazer a leitura.
Tudo se dá, porque na relação de professores, o Professor Jeremias Pereira, sequer fora mencionado e que ele era o Jeremias de Ararucá, uma vez por certo havia entre os professores do Estado outros, que também se chamavam Jeremias e para evitar qualquer confusão a distinção, acabou por ligá-lo a um distrito ou cidade a que pertencia o tal Jeremias de que trata a errata.
Ultrapassado este instante, um tanto constrangedor para o autor das memórias, acha-se o professor Jeremias no direito de situar a todos falando um pouco sobre a localidade de Ararucá.
Sem perder de vista a carta endereçada ao filho descreve ele então a cidade, que lhe dera a alcunha posta ali para diferenciá-lo de outros possíveis Jeremias se é que o Estado os tinha.
Diz ele com propriedade que: “Ararucá é o vilarejo criado pela providência a fim de que eu tivesse um campo onde exercesse a minha missão, quando a ela lhe desse na telha criar-me a mim mesmo. Encosta-se à rampa de um pequeno morro oblongo e molha os últimos quintais na água barrenta de um ribeirão homônimo, que rumoreja ao pé da vila e se detém, antes e depois de rumorejar, em sucessivos açudes de moinhos de fubá.”
Aqui se você tinha dúvidas do talento de Leo Vaz, fica claro a paixão e domínio do vernáculo, tanto que a crítica da época o comparou a Machado de Assis e vê-se presente o clima machadiano no texto acima citado.
Poderia, mas não é esta a minha intenção, discorrer sobre outros monumentais trechos do livro, para quem sabe, convencer você leitor deste comentário a fazer a leitura desta obra, se é que vai encontrá-la, porque é saborosa e estimulante. Venham degustar este encantador e apetitoso livro de Leo Vaz.





