A prudência que sustenta o possível

A prudência que sustenta o possível

Há poucos dias, um amigo que frequenta o Bar do Toninho junto comigo, me questionou sobre a contradição em ser conservador liberal. “ O liberalismo não anula a conservadorismo? ”; perguntou meu parceiro de cachaça. Prometi que escreveria algo para explicar. Pareceu-me valer a pena dedicar um tempinho a isso. Em tempos de intolerância generalizada, quando o assunto é visão política, parece-me que estão arremessando rótulos de ideologia, como se balas de rifle fossem para enfraquecer o que alguém pensa diferente.

Começo dizendo que ser conservador liberal não é ser bolsonarista. Vou falar sobre esta jabuticaba tupiniquim nos próximos artigos. A propósito, uma boa parte desta nova direita que faz barulho está mais próxima do perfil revolucionário nacionalista, do que do liberal. Deixando claro que não estou dizendo que todo nacionalismo é fascista, porque não é. O populismo lulista é que tem uma política econômica mais próxima do nacional-socialismo, do corporativismo e da propaganda oficial de Estado: elementos-base da filosofia fascista. Mas também é outra jabuticaba. É preciso cuidado.

Para quem se autoproclama algo dividindo o termo entre o liberal nos costumes e o liberal na economia, outra placa de cuidado. Alexis de Tocqueville ensinou que a liberdade defendida no liberalismo só se sustenta por meio da defesa da riqueza contida na cultura da vida ética e religiosa. Não nos impulsos de viver só para o prazer da sociedade do bem-estar individualista, perigo mais sutil para a sociedade democrática de massa.

Em tempos de ruído, o pensamento conservador não grita, observa; nos ensina João Pereira Coutinho. Entre os escombros das ideologias fracassadas e os surtos utópicos da política moderna, sua voz soa como a de alguém que se lembra da casa em que cresceu. Não para reerguê-la tal como era, mas para resgatar os alicerces que ainda podem sustentar o convívio. Esse é o tom de um conservadorismo maduro, que enxerga a tradição como linguagem viva, não como amarra.

O conservadorismo que vale a pena começa por reconhecer a imperfeição humana. Não há sistema perfeito, nem homem infalível. Daí nasce sua prudência. Ele não se ilude com soluções totais, nem aposta o destino dos outros em planos cartesianos. Entende que toda política é tentativa, ajuste, escuta. Age como quem reforma um terno herdado, com respeito pela costura, sem rasgar o tecido.

Burke, Oakeshott, Scruton, Huntington, Berlin. Todos esses pensadores, à sua maneira, explicam que o conservador não recusa a mudança. Apenas recusa a pressa. Ele desconfia do novo que chega ignorando os que vieram antes. E também do velho que insiste em se impor como mandamento. A tradição, para ele, não é um altar, mas um compasso. Não se trata de obedecer cegamente. Trata-se de escutar o que sobreviveu à prova do tempo, e por isso merece atenção.

O verdadeiro conservadorismo desconfia do ressentimento. Rejeita tanto o radicalismo revolucionário quanto a nostalgia reacionária. Um quer destruir o que existe. O outro quer restaurar o que já não volta. O conservador, ao contrário, deseja conservar o que ainda serve e reformar o que precisa mudar. Sem desespero, sem devaneio. Seu campo de ação se abre toda vez que a civilização treme. Quando os pilares da convivência ameaçam ruir, ele se ergue como quem reforça as colunas, mesmo sem saber se o teto resistirá.

O conservadorismo que se propõe aqui não se presta a bravatas. Não aponta o dedo. Não pretende purificar o mundo. Seu gesto mais honesto é o de quem mede o presente com os olhos no passado e os pés no chão. Recusa o fetiche da pureza política. Prefere a convivência possível ao regime de um só tom. Sabe que a civilização depende de continuidade, e essa continuidade mora nas tradições que resistiram e nos costumes que ainda servem. 

Há quem confunda isso com medo. Mas o conservadorismo não nasce do temor. Nasce do cuidado. Quem estima, cuida. E quem cuida, conserva. Não tudo, mas o que vale a pena. Reforma o necessário, com sangue frio. Não inflama. Não paralisa. Avança, mas sem romper o fio da história. Para ele, toda geração tem o dever de transmitir o que recebeu, corrigindo sem demolir. Governar é escutar, ajustar, preservar. 

A política, entendida assim, é artesanal. Ela não opera por slogans. Não se guia por planos inflexíveis. Usa a razão com humildade. Não rejeita as ideias novas, mas filtra o que pode ser incorporado sem quebrar o elo entre as gerações. Isso exige prudência. E a prudência, hoje, talvez seja a virtude mais radical de todas. 

Não há culto ao imobilismo. O conservador apenas lembra que a pressa é irmã do erro. E que nenhum povo caminha sem saber de onde veio. O que se conserva, no fim, é a possibilidade de viver juntos, sem dogmas, sem salvadores, sem medo de discordar. Isso já seria um começo digno. Isso já seria política.

Por Rafael Corradi Nogueira