Quando tudo era feito por convicção

Quando tudo era feito por convicção

A Itaunense foi fundada no primeiro dia de maio de 1911, início do mês de Maria, na casa de João de Cerqueira Lima. Tinha ele 43 anos. Nessa mesma casa, dois meses antes, redigira um voto manuscrito. Ali dizia que seu espírito vacilava ao assumir tamanha responsabilidade e que só aceitava fundar a companhia por devoção à Virgem Maria. O gesto foi simbólico, mas também revelador. João Lima não foi apenas fundador. Foi também idealizador e articulador da usina hidrelétrica, do capital inicial e da mobilização entre os sócios. Seus companheiros nessa fundação foram nomes já recorrentes na história: Dr. Augusto Gonçalves de Sousa, Jove Soares Nogueira, Antônio Pereira de Matos, Tomás Antônio de Andrade, Josias Nogueira Machado. Quinze pessoas representaram quase sessenta por cento do capital.

O estatuto definia um modelo rigoroso. O capital seria realizado por meio de chamadas sucessivas. A primeira, de trinta por cento, foi feita em 18 de maio. A segunda, em 20 de agosto. A terceira, no início de março de 1912. A quarta, em outubro. A última, de dez por cento, no início de 1913. Cada chamado exigia sacrifícios. Sem capitalistas externos, os fundadores recorreram a adiantamentos pessoais, empréstimos locais e financiamentos urbanos. Os nomes de Victor Uslander & Cia e do Banco de Crédito Predial do Rio de Janeiro surgem como fontes de crédito, avalizadas por lotes urbanos, estoque de algodão e bens móveis da própria empresa. Em junho de 1912, um só empréstimo de 14 contos de réis foi contraído. Em março de 1913, mais dezesseis contos. Em fevereiro, outros nove. Tudo registrado com precisão contábil e devolvido com pontualidade. Esses dados, assim como os termos estatutários, os livros de pagamento e a ordem cronológica dos aportes, só se tornaram acessíveis graças à recuperação rigorosa dos documentos históricos feita por Guaracy de Castro Nogueira, cujos arquivos são hoje base segura para compreender o nascimento real da Itaunense.

O que impressiona nesse processo é a disposição dos sócios em não receberem vencimentos durante os primeiros sete meses. João Lima ganhava 500 mil réis por mês, mas só recebeu em dezembro. Dr. Augusto e Antônio de Matos nada receberam até o final do ano. A remuneração foi proporcional aos meses efetivamente trabalhados. Cada qual recebeu o que havia feito por merecer. As folhas de pagamento eram claras. Tudo está registrado em livro e assinado. João Lima, chamado pelo próprio Dr. Augusto de homem de fé, colocou os destinos da empresa nas mãos de Nossa Senhora. A ele se atribui o mérito de ter sido o primeiro gerente da fábrica, o idealizador da hidrelétrica e o responsável técnico pela construção.

A fábrica foi inaugurada discretamente. Os primeiros motores elétricos começaram a funcionar em dezembro de 1912. A inauguração formal se deu em 24 de fevereiro de 1913. A primeira fatura oficial foi emitida em março. O primeiro livro de registros mostra a entrada de 180 réis de tecidos vendidos à firma Santiago Andrade. A fiação estava pronta. Os teares produziam. A energia fluía. Os empregados estavam organizados. As dívidas estavam controladas.

A administração seguiu firme. João Lima permaneceu como diretor-gerente nos primeiros anos, acumulando temporariamente a função com a Prefeitura. Entre maio de 1911 e janeiro de 1916, chegou a solicitar exoneração da Companhia para assumir integralmente o cargo de presidente da Câmara e, depois, o comando da administração municipal. Mesmo licenciado, manteve influência direta sobre os rumos da empresa. Quando faleceu, foi sucedido por seu filho, José de Cerqueira Lima Filho, o Zezé Lima, que assumiu a gerência em 1º de maio de 1911 e permaneceu à frente até sua morte em 29 de dezembro de 1964.

Os resultados vieram com estabilidade e expansão. Em 1919, o dividendo foi de vinte mil réis por ação. Em 1920, foi de vinte e cinco mil. Em 1921 e 1922, os lucros subiram para trinta por cento. Entre 1923 e 1925, a distribuição superou trinta e cinco por cento. A diretoria se manteve unida. João Lima foi lembrado com gratidão. Zezé Lima foi reeleito sucessivamente e conduziu a empresa por décadas. Em 1925, o capital chegou a 900 contos de réis. Em 1930, apesar da crise mundial, a Itaunense manteve dividendos e funcionamento regular. Sob comando firme e cotidiano austero, a empresa atravessou gerações como o maior conjunto empresarial de Itaúna. Teares, usinas, tipografia, beneficiamento, energia, oficina mecânica, fábrica de móveis, transporte e sede administrativa. A memória da cidade ainda reconhece esse legado. Não apenas pelo que foi construído. Mas pela forma como foi conduzido, com convicção, fé e perseverança.

Por Rafael Corradi Nogueira