De onde vem as suas palavras?

De onde vem  as suas palavras?


...a magic, that a name would stain... 

... uma magia, que um nome iria macular...

Essa frase é de uma música chamada The Lamia, lançada em 1974, pelo grupo Genesis. Ela descreve uma situação de grande significado e que é parecida com outra, muito comum na nossa tradição. É quando a gente diz que não tem palavras para agradecer, ou para descrever o que está sentindo.  

Mas o verso mostra algo um pouco diferente. Nele, parece que as palavras existem e que seria possível dar nome ao que se está sentindo, mas se isso fosse feito, iria macular o acontecido. Então, a decisão é de se calar.

No final do ano passado, vivi um dilema parecido. Depois de uma temporada viajando, pensei que ao chegar teria muita coisa pra contar. Ledo engano: ao tentar compartilhar aventuras que foram intensas, parecia que o que eu falava não era bem o que tinha acontecido. As palavras não traduziam as sutilezas e as tonalidades da história. O caso ficava banal.

Depois de um tempo, resolvi deixar a poeira baixar. E aí percebi que o silêncio foi a minha maior experiencia. 

Estamos resignados a ambientes barulhentos e nos últimos tempos, mentalmente ruidosos. Os ônibus e as motos desafiam os otorrinos e a gente finge não ligar. As pessoas contam as suas vidas em voz alta nos celulares, amigos caminham lado a lado, falando num volume despropositado... Será tudo, liberdade de expressão?

Por outro lado, discursos vindos da esquerda e da direita, nos convocam a agir como militantes a serviço de causas difusas e não como indivíduos. 

Estaremos de fato, exercendo a liberdade de expressão?

O filósofo francês Roland Barthes, disse que a língua é fascista, pois ela nos obriga a dizer as coisas ao modo dela. Fascismo, continua ele, não é impedir de dizer, mas obrigar a dizer. 

Nesses tempos em que se reclama que a liberdade de expressão está sendo ameaçada, talvez seja oportuno observar se não é o contrário, se ao invés de estarmos sendo cerceados, estamos mesmo é sendo obrigados a dizer e a ouvir coisas, sem saber exatamente de onde vem as palavras e as suas motivações.  

Ao não exercer a liberdade de nos calar, ao adotar discursos por impulso, a gente pode manchar afetos, amizades, a biografia e a alma, por quase nada.    

Um pouco de silêncio, talvez nos ajudasse a recuperar palavras sensatas, que foram perdidas nesses anos de pandemia, de pandemônio e de rancor.

Se isso for muito difícil, podemos começar disciplinando os escapamentos das motocicletas: qualquer coisa é melhor do que nada.

*arquiteto e mais ou menos pacifista