Pintaram a direita ao gosto do freguês

Pintaram a direita ao gosto do freguês


Diz o brocado que a história é escrita pelos vencedores. Os entendidos demonstram que os vencedores não escrevem, mas criam o clima que influencia quem escreve. Ou no mínimo que espalha aquilo que deve ser considerado “a verdade”. Às favas com a chatice daquele monte de estudioso inteligente que redigiu um monte sobre teorias e conceitos explicativos. O que manda hoje, por exemplo, é quem tem mais poder para gerar curtida naquilo que prega.

O mestre Noberto Bobbio nos ensina em seu Dicionário de Política que “o termo extremismo traz implícita uma conotação negativa, que evoca remotos antecedentes filosóficos”.

Já reparou que a direita e a centro-direita foram apagadas do Brasil atual. Hoje em dia só existe a classificação de extrema-direita. Não interessa o quanto o sujeito defenda o diálogo institucionalizado. Ele é tão extremista quanto os idiotas que foram à Esplanada no dia 8 de janeiro depredar patrimônio público. Basta a pessoa expressar uma posição conservadora sobre pautas debatidas na comunidade LGBT, que logo a notícia o classifica como extremista. Aniquilou-se o direito de alguém ser de direita, sem ser extremista. Por outro lado, a extrema-esquerda trotskista desapareceu do Brasil. O que temos em 2024 são apenas democratas moderados de esquerda. Ser de esquerda hoje em dia virou sinônimo de ser democrata, na historinha fictícia que se conta pelos microfones de opinião mais influentes. Se a pessoa veste a camisa do Che e apoia o Hamas abertamente, ela recebe o mesmo rótulo de defensor da democracia que sociais-democratas do calibre de um Fernando Henrique. É como se a esquerda tivesse apagado aquela subclassificação que a divide em comunistas e sociais-democratas.

Há poucos dias bati um papo com um amigo progressista, pessoa pela qual tenho grande estima. Acadêmico respeitado, PhD, que se declara avesso ao Lula e ao Bolsonaro.  Ele me afirmou que qualquer pessoa que considerasse o Bolsonaro no poder era um extremista de direita. Logo, eu o confrontei perguntando como uma pessoa de direita não-extremista, ou uma de centro de direita deveriam ter votado na eleição de 2022, a fim de que não fossem taxados de radicais. Afinal, votar no Lula, faria com que esses eleitores ferissem na essência a demonstração de escolha que é o estofo de suas classificações como direitistas. Meu amigo ilustrou silenciosamente as opções enviesadas disponíveis para a direita brasileira atual: “seja da extrema-direita ou abrace o PT, para ter a chance de ser visto como defensor da democracia”.

Ele enrolou para responder, mas acabou soltando que o nosso personagem de direita não-extremista deveria ser um voto anulado ou branco. Na prática, algo que não atrapalhasse a eleição do partido de esquerda. Bom lembrar que o voto anti-Lula e anti-Bolsonaro foi o grande definidor desta última eleição. O voto fundamentalista não definiu o pleito. Mas, a explicação dele avançou dizendo que votar no Bolsonaro era apoiar uma série de possíveis movimentações políticas contra o funcionamento das instituições democráticas. Neste momento, tive a confirmação de minha suspeita: estava implícito no raciocínio dele que o voto no PT era uma opção segura contra quaisquer possíveis ações políticas (ou nem tanto) que agredissem o funcionamento republicano das instituições democráticas.

Conseguiram colar o rótulo de bolsonarista em todo e qualquer conservador de direita (ou centro-direita) que existe no Brasil atual. Do jeitinho que o próprio Bolsonaro estrategicamente luta para fazer desde sua campanha presidencial de 2018. E do jeitinho que a narrativa de esquerda gosta, a fim de facilitar o abate via saraivada generalizante de adjetivos pejorativos. Extinguiram do ecossistema-político brasileiro a figura do eleitor de direita afeito ao leito natural da negociação democrática, do compromisso e do gradualismo. Nada poderia ser mais pernicioso para as instituições democráticas do que exterminar tantos matizes da expressão política conservadora numa tacada de narrativa apenas.

O extremismo das narrativas talvez seja o grande radicalismo hegemônico no Brasil de hoje.