Sobre o amor e sobre o bem
Depois de muito zanzar perdido em compreensões na vida, entendi o que é o amor. Não é nada desta bobagem nos filmes românticos de Hollywood. Tampouco é aquele sentimento arrebatador. Até por que amor não é sentimento: é o mais profundo e verdadeiro significado de compromisso, de doação e de altruísmo. Não existe esta coisa comercial de “toda forma de amor”. O motivo é simples: amor, no seu verdadeiro significado, só existe um e de uma forma. É o amor da Cruz. É o amor de Deus – que se fez Carne e nos salvou a todos, mesmo que nenhum de nós mereçamos. Daí para frente, se algum dia denominamos alguma circunstância de amor, ela só merecerá esta classificação caso seja um reflexo da exata vontade Divina. Sem modulação, sem jeitinho, sem adaptação para nossa conveniência. Uma continuidade da obra de Deus, obediente e seguidora de do caminho que Ele planejou para os filhos que o amarem – na luta contra o pecado. Como o amar? Os dez mandamentos – que cobrem todas as relações possíveis para nós. Cada vez que refletimos em nossas relações (com os cônjuges, os familiares, o mendigo da esquina ou o mendigo do palácio) aquilo que Deus nos designou, então estamos verdadeiramente amando. O bem vem do compromisso, não do prazer. O amor dá trabalho e não é sinônimo de conveniência. Assim como a fé, o amor é um dom. Disponível para todos nós. O AMOR VENCE A MORTE E A INJUSTIÇA – ASSIM COMO A CRUZ O FEZ.
Marco Aurélio Baggio novamente vem nos visitar a meu convite com as reflexões que habilmente garimpou e eu cito a seguir. Afinal, a fé – dom sempre a nossa disposição, como uma chuva que cai sobre nossas cabeças – tem relação com uma vontade intelectiva combinada com uma entrega imensurável. Da fé e da intelecção vêm as expressões de amor, ainda que sejam sem que nos apercebamos delas por este nome.
A função do amor é abrandar a crueldade das fatalidades (George Eliot) :634. Esta é a contribuição do amor para, eventualmente, estabelecermos uma sociedade justa.
A natureza é nossa inimiga extrema, e o único recurso de que dispomos é sermos bondosos uns com os outros (Leopardi) 1:424.
[...] a arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal (Machado de Assis. Iaiá Garcia. Obra completa. Vol. I, Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1962, p. 405).
A gratidão é a mãe de todas as virtudes.
O ânimo, a força vital impulsiona atos, dá garra e determinação que instrui a vontade que se torna ajuizada pela avaliação do valor, que, por sua vez, indica o justo, o correto, o direito, o conveniente e o bom.
Alegria é a melhor coisa que existe (Vinícius de Moraes).
- “Uma criança é um inverso de um câncer”. Por que se me impôs comparação tão estúrdia?
Como sempre, uma ideia ligeira me passou e apanhei-a solta, no ar. E a achei boa. Tenho acompanhado a lenta involução da saúde de um valoroso amigo que passou a sofrer de câncer. Visitá-lo é constatar uma nova perda a cada vez. Perceber uma pequena desinstrumentação de habilidade a cada dia.
Desportista, brioso, gozador, combativo, meu amigo, a cada novo dia, apanha a peteca cada vez mais embaixo.
E ele, e eu, e todos nós fazemos o jogo do contente e nos mentimos sobre a boa cor da pele, seu bom apetite para o mingau, seu interesse pelo Jornal Nacional. Como é bela a capacidade humana para se autoenganar! Ele vai se desmilinguindo e se apagando e ninguém vê, ninguém quer ver.
Uma criança, não. Ela é o inverso do câncer. A cada dia, a cada hora, apresenta uma novidade, aprende uma nova palavra, ganha corpo, faz uma nova careta, uma nova gracinha. A todo o momento, se magnifica com a expansão bela e crescente de novas habilidades que incorpora em seu repertório.
Uma criança é a exuberância do milagre da vida, dia a dia dotando-a de mais alcance e de influência à sua pessoinha.
Conviver com uma é desfrutar de leveza, alegria e embasbacação.
Conviver com o outro é concentrar tristeza, destilar compaixões e exercer a misericórdia humana.
Uma é o trinado desbragado de um pintagol. O outro é a contração das pétalas de uma flor vencida pelo decurso de prazo. Um ser humano em desflor.