Farrapos da Lagoinha

Farrapos  da Lagoinha


O bloco dos Farrapos vai passando. À frente, vestido de Zorro, abrindo alas com um chicote, vem o comandante. Logo atrás, surge o Rei Momo montando um cavalo magro e trazendo nas mãos um cetro de cabo de vassoura. É o Mampu com sua simpatia e graça, primeiro e único Rei Momo dos Farrapos. Vem chegando imponente, fumando um cachimbo de lata. O cachimbo é alimentado com estopa embebida em óleo, o que faz produzir uma fumaça espessa e mal-cheirosa. Conduzindo o cavalo de sua majestade, um pajem maltrapilho anuncia a passagem do rei com fogos luminosos. A seguir, provocando risos e mais risos, surge um casal de noivos. É o noivo boboca e a noiva sapeca. Ele cabisbaixo e desajeitado num terno feito de saco de aniagem, gravata vermelha e um penico na cabeça servindo de chapéu. Ela, ao contrário, esbanja-se em requebros, agitando o véu e a grinalda.

Seguindo o casal de noivos, num desfile de roupas e sapatos fora de moda, vem a turma vestida de mulher. Uns remexem os seios postiços num andar desengonçado, outros imitam mulheres grávidas carregando imensa barriga de travesseiros. A banda de música que acompanha o bloco capricha nas notas. E os farrapos fazem coro entoando a velha marchinha:

“Oh! Jardineira, por que estás tão triste?

Mas o que foi que te aconteceu?

- Foi a Camélia que caiu do galho.

Deu dois suspiros e depois morreu...

Nesse instante, o noivo perde a compostura e estende os braços chamando a parceira que dança um pouco a frente.

“Vem jardineira, vem, meu amor.

Não fiques triste que este mundo é todo teu....

A noiva sacode o buquê de flores roxas e vem rodopiando as canelas finas frente ao companheiro.

A bandinha continua tocando. Em meio aos músicos há foliões cobertos de molambos exibindo sanfonas desafinadas, cavaquinhos quebrados, violões sem corda e caixas cedidas pelas guardas da festa do Reinado.

A praça está repleta. O povo se comprime. Todos querem ver de perto a avalanche de figuras pitorescas que desfila. E Dom Quixote de la Mancha e seu fiel escudeiro. É Carmem Miranda que passa dengosa exibindo-se num festival de balangandãs e requebros. É gente vestida de palhaço dando saltos mortais e cambalhotas para alegria da criançada.

Passa um crioulo forte mostrando passos de capoeira num incrível malabarismo, enquanto um homem alto fantasiado de Marta Rocha acena para a multidão que o aplaude. Bem no meio do bloco, um mascate turco, com duas malas abarrotadas de bagulhos, apregoa às risadas:

- Mercadoria de primeira... É barato, é barato... Satirizando o prefeito, muitos carregam enxadas velhas, chaves de consertar torneiras e cartazes criticando os buracos existentes nas ruas. Pães enormes surgem pendurados em tabuletas cujos dizeres reclamam o preço dos mesmos. Homens conduzindo miniaturas de postes e lâmpadas queimadas criticam o serviço de energia elétrica. Entre comentários, o povo delira

- Olhe lá, compadre! Olhe o Amigo da Onça!

- Olhe aquele ali vestido de gorila!

- Olhe o Jânio Quadros dançando com a vassoura. Era só o que faltava…

- Ali no meio tem até Doutor.

- Não é possível, compadre.

nessas máscaras.

- Impossível é Deus pecar. Tem gente grã-fina aí, sim, escondida

É bem verdade. São operários, médicos, donas-de-casa, comerciantes, professores, enfim todas as classes sociais unidas na mais esfarrapa da das confraternizações...

O desfile continua. Bombas de detefon cheias d’água servem de lança-perfume, enquanto uma chuva de folhas de barbatimão cai sobre a cabeça do povo. É o confete dos Farrapos. O Dario Barbeiro vem mais atrás dançando com a sua Pimpinela Escarlate. A boneca presa aos sapatos dele e os dois quase da mesma altura saracoteiam num ritmo quente. Depois, a Rosa Concórdia e a Ladomila preta, o Anésio da Estação num vestido “tomara-que caia”...

“Vem jardineira, vem meu amor...

Não fiques triste que este mundo é todo teu”.

Lá vai o Bloco dos Farrapos disfarçando na ironia das vestes a própria ironia da vida de cada um. Virou a esquina. à frente o Zorro, atrás o Mampu...

Pena Itaúna ter perdido os Farrapos da Lagoinha. Dispersou-se no tempo o mais autêntico, engraçado e crítico bloco de nossos carnavais.