Assim era o Zé

Nesta edição a FOLHA republica um artigo do historiador Guaracy Castro Nogueira, ex-reitor da Universidade de Itaúna, e um dos seus fundadores, e ex-vice-prefeito da educação entre os anos de 1993 e 1996, redigido quando da edição de uma revista em alusão ao centenário do seu pai, Guarani Nogueira, em 2002. Com a sua escrita carregada de emoção ao falar do amigo, o ilustre historiador narra a participação de José Waldemar, ainda jovem, em relação à proposta separatista do Bairro Santanense, que, disse, era desejada a partir da vontade de algumas pessoas e não do povo. Guaracy Nogueira desenha, em palavras, a personalidade combatente de José Waldemar, à época líder estudantil e editor do jornal “A Gazetinha”, como partícipe definitivo no enterramento da proposta, definida então como “brincadeira de um diretor sem o que fazer”, da indústria Santanense Tecidos.
O artigo, como era de se esperar, tendo Guaracy Nogueira como autor, apresenta, em rápidas linhas e algumas observações, o José Waldemar que Itaúna viu crescer e se tornar naquele “paladino a serviço de Itaúna”, descrito pela FOLHA na edição passada, quando do registro da passagem do nosso amigo, jornalista, escritor, professor, advogado, ocorrida no último dia 9 de maio. Vamos ao texto, na sua íntegra:
José Waldemar Teixeira de Melo, cidadão que Itaúna gostaria de ter como filho
Quando dos entendimentos para esta publicação, assumi o compromisso de colocar o acervo do Instituto Maria de Castro Nogueira à disposição, para escrever a apresentação da Revista, redigir algumas das muitas biografias, com os dados de que dispunha, com o direito de usar duas páginas para homenagear meu pai, Guarany Nogueira que, se vivo fosse, teria comemorado seu centenário em 20 de agosto de 2002.
Ao tomar conhecimento da lista dos homenageados, manifestei o desejo de escrever a biografia de meu fraterno e leal amigo José Waldemar Teixeira de Melo, nascido em Rio Manso, em 5 de novembro de 1944. Criança ainda, praticamente de fraldas, apoitou sua canoa nas barrancas do rio São João, quando seus pais Ivo Teixeira de Melo e Marta de Freitas Teixeira passaram a respirar o ar puro de Santana. Desta ilustre família dos Teixeira de Melo, ele é o primogênito; sete de seus irmãos nasceram em Itaúna: Maria Lúcia, Cleusa, Marilene, Ivo Júnior, Clênio, Ana e Ricardo. Guilherme, o caçula, nasceu em Belo Horizonte. Todos casados. Família de gênios, homens e mulheres notáveis, com bela formação de berço, dotados de privilegiada inteligência, enriquecida por sólida cultura adquirida na vida profissional, despontando nos vários ramos de atividade entre os primeiros. Ivo, para alegria nossa, aqui está plantado nos seus bem vividos 85 anos. Homenageio minha querida e saudosa colega de grupo escolar, Marta que muito cedo partiu, na plenitude de seus 66 anos, em 1992, deixando o vazio de uma imensa saudade.
José Waldemar está muito feliz, em Brasília, ao lado de sua esposa, cujo nome extenso denuncia nobreza de coração e sentimentos, Sônia Maria Pinheiro Teixeira de Melo, mãe de suas filhas Maryam e Sarah, alegria permanente deste bem constituído lar.
O espaço que tenho é pequeno para dissertar sobre as realizações deste notável cidadão, jornalista, escritor, professor e advogado de projeção e grandes feitos. Ficarei restrito a um episódio do tempo em que era líder estudantil e publicava “O Gazetinha”, prenúncio de um festejado jornalista.
Tenho falado e repetido que é preciso rescrever a história de Itaúna, com base em documentos e depoimentos insuspeitos, dando a cada um o que é seu, sem permitir que alguns donos assumam a paternidade das realizações, como é costume em nossa terra. O problema da emancipação do bairro de Santanense ainda não foi devidamente equacionado, porque apenas “um” assumiu a liderança deste fato histórico, relativamente recente. Tenho um depoimento do José Waldemar, que gravei para ser publicado em livro, que estou escrevendo. Tentarei, em sua homenagem, reproduzi-lo com fidelidade.
Quando davam como favas contadas a transformação do bairro de Santanense em município separado de Itaúna, os mentores da campanha pela mutilação geopolítica e econômica foram sacudidos pela maior e mais calorosa manifestação pública já vista entre os itaunenses. Convocados pela União Municipal dos Estudantes (UME), os ginasianos e colegiais saíram às ruas desde as primeiras horas da manhã, conclamando o povo para o protesto, que culminou à noite com um comício nas escadarias da Igreja de Santana, apoiado e aplaudido por uma multidão que deixou a Praça da Matriz literalmente apinhada de gente.
A indignação do povo, ao tomar conhecimento, pela voz dos estudantes, do risco dado como iminente de amputação de parte histórica e civicamente inseparável de Itaúna, de tão gritante e eloquente, se fez ouvir, já pouco depois do meio-dia, na imprensa da capital, no Palácio da Liberdade e na Assembleia Legislativa. À tarde, já chegavam à cidade equipes das emissoras de tevê, de rádio e dos jornais de Belo Horizonte. Os Diários Associados, onde José Waldemar já era conhecido, por causa de um estágio de treinamento, enviaram para a cobertura da gigantesca manifestação popular, o repórter Demóstenes Romano e o fotógrafo Myro Sopeña. Ambos conhecidos cordiais do José Waldemar, então secretário-geral da UEE – União Estadual dos Estudantes. Vieram também repórteres e câmeras da televisão que faziam parte da Rede Globo (Rede Tupi, de Assis Chateaubriand, e a TV era a pioneira Itacolomi).
Vieram dois deputados do antigo PSD, amigos do Zé Lima, que a tudo acompanhava acamado em sua “Quinta”, com os portões abertos para a Rua da Ponte. Um deles era o Deputado Austregésilo de Mendonça, que foi apresentado ao Zé Waldemar pelo Prefeito Milton de Oliveira Penido. Disse-lhe o deputado que recebera telefonema do Coronel José de Cerqueira Lima, numa convocação para que viesse correndo para Itaúna, conversa que manteve logo após ter ouvido pela Rádio Inconfidência a notícia de que Itaúna estava em pé-de-guerra. Disse que atendeu prontamente ao chamado do líder máximo de Itaúna, a quem visitou assim que chegou à tarde e de quem ouviu explicações sobre os motivos da enérgica reação do povo (historiador de nossa cidade, em livro, chama esta manifestação cívica de baderna e de obra de arruaceiros, tentando desvalorizá-la).
Após o comício na Praça da Matriz, o líder José Waldemar, como Presidente da União dos Estudantes, convidou o povo para se dirigir até a casa do Zezé Lima, que se prontificou a receber os líderes do grupo contra o separatismo. Lá chegando, Zé Waldemar foi convidado a entrar e conduzido até os aposentos do Zezé Lima, que tinha dificuldades para falar, acometido que estava de insidioso enfisema pulmonar, aliviado pelo balão de oxigênio. O ilustre chefe político foi taxativo: já abortamos essa papeata. Alguém que estava mais próximo do Zezé, mal-mal conseguindo balbuciar as palavras, como que um intérprete, esclareceu que tudo já estava conversado com os deputados capazes de dar uma rasteira no Alvimar Mourão. Em seguida, o deputado Austregésilo disse ao Zé Waldemar que o processo da Santanense, para o fim de sua emancipação política, estava totalmente viciado e carregado de erros do princípio ao fim, e que por isso mesmo, o levantamento de uma simples questão de ordem botaria a perder toda a fanfarronada dos separatistas. Entre outras falhas técnicas do processo, o deputado citou o mapa das divisas propostas para Itaúna e Santanense, num desenho que negava abertamente uma das razões apontadas para a separação, a distância entre a sede do município e o bairro que se pretensiosamente queria ser cidade. A linha divisória desenhada para separar Itaúna e Santanense abiscoitava a Usina São João, vale dizer o bairro só reunia condições de sobreviver de forma autônoma, desde que faturasse os impostos pagos por uma usina de aço maior que a siderúrgica estatal do Paraguai.
José Waldemar desmente que a diretoria da Santanense apoiasse a separação. Como frequentava a copa e a cozinha do Vitor, dele ouviu várias vezes que o diretor Hely apenas cochichava sobre o assunto com alguns funcionários do escritório, mas que mesmo ali, a ideia era rechaçada pela maioria silenciosa. Ouviu também a posição do presidente César, que o recebeu em Belo Horizonte, com pompa e circunstância. Muito gentil, em três horas de erudição e de lições de grande capitão de indústrias, dando-lhe de presente, com dedicatória, sua obra “Uma viagem pela Rede”, confessando que Itaúna era sua maior paixão, garantiu que a Santanense era uma companhia de itaunenses genuínos e sem qualquer ligação com o movimento e que sabia entusiasmar alguns poucos funcionários da empresa. Perguntado pelo José Waldemar se o Hely podia falar em nome da Santanense, o César respondeu que a diretoria não ia perder tempo com essa diversão do Hely. José Waldemar concluiu que “para a empresa Santanense, a emancipação não passava de uma divertida ocupação para preencher o ócio de um diretor sem nada o que fazer”.
Finalizando, nosso ilustre e sério biografado, homem de boa memória e amante da verdade histórica, que penetrou profundamente no âmbito da empresa, quando publicou a “História da Santanense” ao ensejo de seu Centenário, os separatistas queriam apenas um cargo de prefeito, vários de vereadores e uma pletora de sinecuras para os defensores da ideia. E Alvimar Mourão não aspirava outra coisa do que partir Itaúna ao meio e colocá-la menor ainda que Divinópolis.
Grande José Waldemar! Ele sabe das coisas...