Um Retrato Fatal

Ross Macdonald
Um Retrato Fatal é mais que um simples livro de romance policial noir. É também uma reflexão sobre a sociedade e o quão mortal se torna às vezes ela um retrato de nossa fatalidade.
Particularmente, esta obra é talvez a última escrita por Ross e data de 1976. Aqui temos uma aula de como escrever um livro fundamentalmente construído sob diálogos, traz também uma crítica às mudanças provocadas pela contracultura deflagrada pelo Woodstock, o movimento hippie e suas consequências, a desintegração da sociedade como era conhecida e principalmente a inevitável conclusão, de que seja qual for a época, o homem no íntimo continua o mesmo, capaz de qualquer coisa para manter a vida nos trilhos de seus interesses.
Sempre tive a curiosidade de ler algum romance de autoria deste escritor, porque já ouvira falar e muitas vezes se referem a ele como um dos últimos escritores da geração de romancistas policiais com aquela pegada clássica, cheia de romantismo, sentimentalismo e crueza tão característica deste gênero.
Como todos já estamos acostumados normalmente a estes autores que criam um personagem que vão aparecer em diversos de seus romances e novelas de investigação e em alguns casos são sua única criação, no caso de Ross Macdonald, o protagonista deste romance é Lew Archer, seu maior achado.
Lew Archer é contratado por Jack Biemeyer para encontrar um quadro que lhe fora surrupiado de sua residência. O quadro tinha particular relevância, por que presenteado por ele a sua esposa, do qual ela certamente não abriria mão e por sua insistência se viu obrigado a contratar o detetive particular para encontrá-lo. O desaparecimento na noite anterior levantou suspeitas que o namorado da filha, o jovem conhecido por Fred Johnson, houvesse se aproveitado da confiança nele depositada pela filha e se apossado da obra de arte de um pintor quase que, cultuado como uma divindade naquela localidade. Tal pintor desaparecera tinha cerca de vinte e cinco anos sem deixar rastro ou paradeiro, não se sabia se estava vivo ou morto e qual fora o motivo de seu desaparecimento.
Segundo as pessoas do lugar o quadro era de uma mulher e foi produzido por Richard Chantry, mas a proprietária do Museu e esposa do pintor renomado jamais reconheceu se tratar o mesmo de um quadro do marido, no entanto, Fred pensa diferente e aproveitando-se do descuido da família, levou o quadro para um exame mais minucioso, porque além de admirador da obra do famoso pintor local, estudava belas artes na tentativa de futuramente quem sabe se tornar um charmant e construir sua vida dando melhores condições de vida a seus pais e quem sabe tornar merecedor da filha de Jack Biemeyer.
O livro traz um número enorme de personagens, nenhum deles é apenas um pano de fundo, todos estão de alguma forma interligados pelo tempo e os acontecimentos daqueles vinte e cinco anos e com o desaparecimento do pintor. Alguns dos fatos remontam um período de tempo ainda maior cerca de trinta e dois anos, o que tinge toda aquela caçada a linhas e pontas soltas, que precisam ser amarradas para formar a rede ou teia dos acontecimentos e trazer á luz a verdade.
À medida que a ação se desenrola, outros eventos menos ou mais sinistros acontecem e turvam a visão geral dos acontecimentos, contudo o denodo de Lew e sua repentina paixão por uma jornalista da cidade mais jovem, dão a efervescência que ele precisa para não deixar apenas pela metade a investigação.
Os diálogos trazem muita contradição, mentiras, meias verdades e novos assassinatos, as sucessivas mortes ao longo do tempo, fazem toda a trama ficar acelerada e cheia de reviravoltas, mas quanto mais perto está da solução, mais o retrato disforme vai tomando forma na mente arguta do detetive Archer, que orbita os acontecimentos pretéritos e atuais, permeando os fatos e organizando-os em sua mente.
Foi um presente, que me custou apenas dez reais e valeu a garimpagem no sebo da banca. Este é o mundo de Lew Archer, agora já mais velho, mas não morto.