O Senhor dos Anéis: sobre o poder e a ambição
Em uma Terra Média, não tão distante, os seres se elevam e se arrastam. Elfos, Orcs, Anões e Hobbits não se misturam - momentaneamente fingem acreditar que se aliam. O lugar ecoa uma familiaridade perturbadora. Um anel, a própria concupiscência humana: o senso de grandiosidade anda de mãos dadas com o passo para a ruína. Frodo - um Hobbit afável - se viu incumbido de uma tarefa monumental - fazer a jornada de seu legado, enquanto protegia a si e a outros da ganância lenta e invisível que a atração do anel provoca. Muitos se cruzam com suas jornadas emaranhados em ambições que lentamente os consomem.
No início, há entusiasmo e determinação. Os aspirantes a portadores do anel, com olhares brilhantes e promessas grandiosas, entram em cena. Cada passo é um incremento na sedução do poder (que se torna irresistível). O anel sussurra segredos de grandeza e domínio. Nada mais importa. O centro de gravidade do próprio universo muda devidamente justificado por auto-desculpas inconscientes.
Tudo começa como uma busca nobre. Frodo é a pureza das boas intenções. Mas cai. Gandalf, mais maduro do que o deslumbre provocado pela rápida passagem de uma estação suplente, demonstra que sua estatura moral não reside na inexistência de pecados pessoais ou desejos sombrios. Mas na capacidade de usar sua experiência pregressa em anos nos corredores de batalhas da Terra Média para se educar na manutenção da lealdade aos seus, e não ao jogo. Irônico? GK Chesterton nos relembrou que “nenhum homem é, de fato, bom, enquanto não souber quão mal ele é, ou poderia ser”.
Há também o Gollum. A criatura que se tornou uma sombra de si mesmo em sua obsessão. Ele é a busca desenfreada pelo anel. Esquece-se do quem era antes de ser tocado pelo brilho do objeto. Às vezes, antes mesmo de o assumir em mãos. Em sua jornada, o Gollum se torna a caricatura de suas ambições. Perde a essência que o torna humano. A sensação de controle, de manipular o destino, transforma-se em uma prisão de ouro. A liberdade se torna uma miragem, um eco distante. Sua coerência pessoal é tão fluida quanto as emoções, os entusiasmos e os medos do momento.
A moldura do espelho é cada vez mais sofisticada. E, por isso mesmo, rouba progressivamente o valor em se reparar na imagem esvaída que o preenche.
As promessas feitas ao longo do caminho são como as ilusões de um feitiço. As prioridades são negociadas, quando não invertidas. Cada palavra, uma armadilha; cada ação, um passo mais profundo no abismo da autoindulgência. Ah! Querido abismo da autoindulgência, seu lindo.
O portador do Anel, ao invés de ser um aglutinador sábio, se torna um servo de suas próprias ilusões, de seus próprios planos. A ironia reside no fato de que, ao tentar dominar o mundo ao seu redor, ele acaba por ser dominado por este mundo. O Anel, traiçoeiro, não oferece o governo de fato, mas sim o afastamento dele. Só o médio prazo mostra isso na jornada.
O entusiasmo dos Hobbits, sobre um futuro brilhante, se desbota à medida que os participantes da jornada se tornam sombras de suas promessas.
O anel, em mãos despreparadas para o peso de sua vaidade, brilha. Aqueles que deveriam ser guardiões do bem comum se transformam em figuras taxidérmicas.
A essência da humanidade. A Terra Média. A capacidade em carregar o peso do anel sucumbe ainda no Condado? É assustadoramente muito cedo. Nem no original foi assim. Gandolf encontrou a realização em saber que a inocência de Frodo era o que ele não possuía para sucumbir na missão de se aproximar do anel. Isso não removeu seus pecados mais íntimos, mas o esculpiu com a estatura necessária para superar a surpresa desagradável com a queda de Saruaman - outrora seu velho amigo de magia. São amigos, e não inimigos, que nos pegam de surpresa.
Tolkien nunca esteve tão atual. Recomendo a leitura com o mesmo vívido entusiasmo que a tenho refeito junto de minha amada filha de dez anos, a Lela. Lições cristãs para a vida.