Um fato marcante, de minha infância/Irmã Benigna



Olhando uma fotografia antiga de médicos, enfermeiros, irmãs de caridade da Congregação Irmãs Auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, e outras pessoas, batida em frente ao prédio da antiga Casa de Caridade Manoel Gonçalves, em Itaúna/MG, lembrei de um fato que aconteceu quando eu era criança e que não foi apagado de minha memória. Por volta de 1948, meu pai foi hospitalizado na Santa Casa de Itaúna, onde foi feita uma cirurgia de Apendicite, na época de alto risco, ficando internado durante 15 dias. Minha mãe, ficou com ele no hospital, durante todo período, mas não comia no hospital e tínhamos que levar seu almoço e o jantar todos os dias. O hospital ficava na mesma rua da casa de meus pais, por onde passava a linha férrea, mas a distância era de uns dois quilômetros. Em certo dia eu e minha irmã Dalva, que também era criança, fomos levar o jantar para minha mãe, que naquela época era servido por volta de 5 horas da tarde. Era um prato com a comida, tampado com outro prato e enrolado em uma toalha. Sempre a ida e volta, eram feitas margeando a linha do trem. 

Chegamos e entregamos o prato para minha mãe e enquanto ela jantava, a gente ficou ao lado da cama de meu pai, esperamos ela lavar e enxugar o prato e os talheres e entregar para nós. No retorno para casa, minha irmã, que era pouco mais velha que eu, quis voltar pela rua Afonso Pena (atual Rua Zezé Lima), que era paralela a Rua Estrada de Ferro (atual Dona Cota), a nossa rua. Subimos a Rua Silva Jardim, e ao invés de virar na primeira rua à esquerda, entramos na Rua Manoel Correia, primeira rua à direita e de repente fomos parar no Bairro das Graças, que naquela época tinha o nome de “Rua da Ponte”, do lado contrário ao local de nossa casa. Ficamos perdidos, mas por sorte, entramos na rua onde morava minha tia Maria Augusta Nogueira de Souza, irmã de minha avó Amélia Augusta de Faria, vimos a casinha dela e fomos para lá, com medo da reação dela, declaramos perdidos, e que não tinha jeito de voltar para casa. Ela era uma senhora baixinha, branquinha e muito bondosa, não xingou e mandou um de seus filhos levar a gente para casa. Chegando, todos os meus irmãos, que não eram poucos, já estavam a nossa procura. Minha mãe já sabia e estava a nossa espera no Hospital. Tomamos uma surra de vara de marmelo, dada por minha irmã mais velha e como castigo, não deixaram a gente comer um engrossado de costela, que estava cheirando na cozinha. Em seguida fomos levados para frente do Hospital que já estava fechado. O quarto de meu pai ficava na ala dos fundos e como tinha uma amiga da minha mãe, chamada Vitalina, cujo marido Avides Faria, estava hospitalizado em um quarto da ala da frente, meus irmãos gritaram em frente da sua janela e ela foi buscar minha mãe que estava muito aflita com o nosso sumiço. A luz do poste da rua era muito fraca e os quartos ficavam no segundo andar, por isto minha mãe não conseguiu nos enxergar debaixo da janela. Buscaram a Irmã Benigna Victima de Jesus, que era chefe da Enfermaria e ficava com as chaves da porta de entrada. Ela abriu o grande portão e desceu as escadarias junto com minha mãe e dona Vitalina. Depois dos abraços, Irmã Benigna rezou, benzeu a gente e falou que nunca mais iríamos sumir. Foi nessas circunstâncias que vi e conheci Irmã Benigna, uma pessoa muito bondosa, vestida de hábito preto, com uma grande cruz no peito, um sorriso agradável, abraçada com minha mãe. Passados vários anos, com 24 anos, fui estudar Ciências Econômicas em Belo Horizonte, porque Itaúna, ainda não tinha Universidade. Fiz um concurso público e fui trabalhar no Departamento Estadual de Estatística, que funcionava no Edifício Acaiaca, na avenida Afonso Pena, em frente à Igreja de São José. Foi nessa época que encontrei novamente com Irmã Benigna. No Departamento, trabalhavam muitas professoras, amigas de Irmã Benigna, que periodicamente nos visitava na repartição. Ela rezava com um por um e recolhia donativos para suas obras sociais, e ela juntava papeis escritos pedindo graças. Era a mesma pessoa, um pouco mais gorda e mais velha, com seu hábito preto, uma grande cruz, um rosário na cintura e uma bolsa de couro preto, onde guardava as doações recebidas. Sentava tranquilamente do meu lado, onde eu estava assentado ou na frente de minha mesa, segurava minha mão, rezava, perguntava por minha família, meus estudos, minha saúde. Nunca lhe falei que era de Itaúna, para não melindrar, pois eu sabia dos seus maus momentos na minha cidade natal. Certo dia, ela me perguntou porque eu não fazia nenhum pedido de graça, e eu lhe respondi que estava tudo bem em meus estudos, no trabalho e na saúde, e que não pediria “GRAÇA”, para terceiros. Estranhei porque ela com sua voz mansa falou “Você faz bem meu filho, não peça mesmo e acredito que não necessitará por muito tempo pedir, pois já tem tudo, só lhe peço uma coisa, agradeça sempre a Deus”, e eu disse: Amém. No entanto, não foi eu que pedi, mas lembro bem que minha irmã Maria de Lourdes Fonseca, solicitou e alcançou uma grande graça, enquanto viveu, comentava que estava com Mal de Parkinson, tremendo bastante as mãos e o médico Dr. José de Campos, não lhe deu esperança de cura ou melhora, no desespero pediu uma graça a Irmã Benigna, que ela conhecia bem e que ainda vivia e ficou curada. 

Voltando a foto, que vai estampada no final deste texto, visualizamos a nossa querida Irmã Benigna, que atualmente está em processo de beatificação, ao lado do Provedor do Hospital Manoel Gonçalves, meu tio Olímpio Nogueira de Souza, irmão de minha avó materna, Amélia Augusta de Faria, de terno branco. De acordo com os comentários na cidade de Itaúna, foi uma sua colega de hábito a responsável pelos momentos dolorosos que irmã Benigna viveu na cidade. Nunca lhe falei que era de Itaúna, mas sei que Benigna Victima de Jesus, não foi vítima de Jesus, mas da intriga de uma colega que ambicionava ser chefe da enfermaria do Hospital, e que depois abandonou a Congregação. Foi uma amarga provação para uma pessoa tão humilde e tão santa, porque foi acusada de ser comunista e ter feito aborto na Enfermaria do Hospital. Ficou presa na Cadeia Pública de Itaúna, situada na Praça da Matriz, onde hoje é o Foro da cidade, e como as janelas gradeadas eram do lado da praça, subindo a rampinha a gente via os presos na cela. Quando tinha alguém importante ou conhecido preso era comum a população ir ver ou conversar com o preso, e eu fui com meus irmãos ver Irmã Benigna presa, o que era um fato marcante na cidade. Liberada, porque nada foi provado contra ela, foi confinada pela Congregação em um local, onde até se alimentava com a comida dos porcos. Consta que suportou tudo com resignação e depois continuou sua caminhada na terra, rezando e fazendo o bem aos necessitados até sua partida. Fico muito feliz por tê-la conhecido pessoalmente em sua trajetória pelo mundo e tenho certeza que as rezas e benções, ocorridas anos atrás me valem até hoje, que DEUS a tenha a seu lado. Em julho de 2023 completei 82 anos e rezei para Irmã Benigna, agradecendo sua benção de 1966, porque realmente até hoje eu não tive nenhuma doença grave e meus últimos exames de saúde que faço duas vezes por ano, não acusaram nenhum problema, por isto eu acredito que ela é a Santa Irmã Benigna, apesar desta verdade, até hoje não ter sido confirmada pelos burocratas vaticanos.