O humanismo como religião?

O humanismo como religião?
Por Rafael Corradi Nogueira


Há poucos dias, escutei um caro interlocutor defender sua fé dentro de uma diretriz humanista. Ele confundiu catolicismo com humanismo. Chegou ao ponto curioso de classificar Deus Encarnado como revolucionário, ou seja: alguém com objetivos últimos a serem alcançados nesta evolução do mundo humanista. Em um sentido amplo, humanismo significa valorizar, antes de Deus, o ser humano e a condição humana acima de tudo. Está relacionado em se satisfazer com generosidade, compaixão e preocupação em idolatrar os atributos e realizações humanas. O humanismo surgiu com o Renascimento europeu, quis romper com a influência da Igreja fundada por Cristo e com o pensamento religioso. A ideia de ter Jesus Cristo no centro de tudo cede lugar ao antropocentrismo – nome para a visão de que o ser humano, seu “sentir bem”, sua sensação, sua conveniência, sua felicidade nesta vida, em detrimento da vida eterna e sua escolha selecionada de pontos de fé estejam no centro. Preciso recorrer a Chesterton para me ajudar a responder à indagação que me ocorre: mas, afinal, o humanismo pode satisfazer a humanidade?

A questão realmente é se o humanismo pode realizar todas as funções da religião; e, para isso, não posso senão avaliá-lo em relação à minha própria religião: o catolicismo. O humanismo prende o homem a terra como uma planta ao invés de libertá-lo para o céu, nem mesmo como um pássaro, que dirá como um anjo. Precisamos de um restabelecimento das coisas REALMENTE humanas: a vontade que é moral, a memória que é tradição, a cultura que é o patrimônio mental de nossos pais. É impossível o humanismo ser uma religião, já que ele não tem a capacidade de substituir o sobrenatural, ou seja, o “super-humanismo”. Porque o mundo moderno, com seus movimentos modernos, está vivendo do seu capital católico. Está usando, e esgotando, as verdades que lhe restaram do velho tesouro do cristianismo; incluindo, é claro, muitas verdades conhecidas da Antiguidade pagã, mas cristalizadas no cristianismo. Não estamos começando coisas novas que possam realmente ser carregadas para um futuro distante. Pelo contrário, está catando coisas velhas que não consegue carregar de forma alguma. Os ideais morais modernos foram emprestados de mãos antigas e murcham muito rápido em mãos modernas.

Homens reais são maiores do que deuses irreais; e cada um é tão místico e majestoso como a simples humanidade que Deus escolheu para o mistério da Encarnação. O poeta americano Walt Whitman foi craque em nos mostrar isso. Ele afirma em algum lugar que os artistas de antigamente pintavam multidões, nas quais uma cabeça tinha uma auréola de luz dourada; “porém eu pinto centenas de cabeças, mas nenhuma sem sua auréola de luz dourada”. O humanismo adorara o homem, mas Whitman adorava os homens. Um rei era um homem tratado como deveriam sê-lo todos os homens. A verdade é que a imagem que Whitman achava ser extravagante é de fato uma imagem muito antiga e ortodoxa. Para os católicos é um dogma fundamental da fé que todos os seres humanos, sem nenhuma exceção, foram feitos especialmente e têm fim de atingir o alvo da beatitude. A mais moderna narrativa da poesia moderna contida em filmes, músicas e séries não é a poesia da recepção, mas a da rejeição, ou antes a da repulsa. O novo literato quer retirar a auréola dos incluídos, para coroar aqueles que a filosofia dele mesmo excluiu. Ele não admite a sabedoria católica de que todos são merecedores.

Olhando para todas as crises religiosas mais antigas, vemos a cartilha. Todo herege, seja ele protestante ou humanista, sempre exibiu três pontos. Primeiro, escolheu alguma ideia mística do feixe ou do equilíbrio de ideias místicas da Igreja. Segundo, usou aquela ideia mística solitária contra todas as outras ideias místicas. Terceiro (e é uma coisa singular), parecia em geral não ter noção de que sua própria ideia mística favorita fosse uma ideia mística, pelo menos não no sentido de uma ideia misteriosa, dúbia ou dogmática. Com estranha e inquietante inocência, parecia sempre ter tomado essa única coisa por certa. Presumia que era inatacável, mesmo quando a utilizava para atacar toda espécie de coisas similares. O exemplo mais popular e óbvio é a Bíblia. Para um pagão imparcial ou observador cético, deve sempre parecer a história mais estranha do mundo; que homens que invadem um templo para quebrá-lo, derrubando o altar e expulsando o sacerdote, encontrassem nele alguns livros sagrados intitulados “Salmos” ou “Evangelhos”; e que (ao invés de jogá-los no fogo como o resto) começassem a usá-los como oráculos infalíveis para censurar todos os outros pontos do lugar onde estes livros foram escritos. Se o altar-mor sagrado estava errado, por que os documentos sagrados secundários estavam necessariamente certos?

Muitos tomaram uma ideia transcendental em particular da antiga tradição católica; a ideia de que existe uma dignidade espiritual no homem por ser homem, e um dever universal de amar os homens por serem homens. Martelaram perpetuamente em sua divindade humana e dignidade humana, e no amor inevitável por todos os seres humanos, como se essas coisas fossem fatos naturais evidentes. E agora estão bastante surpresos quando novos e agitados realistas repentinamente explodem e começam a excluir maiorias para incluir minorias.

Em resumo, desconfio de experimentos espirituais fora do centro da tradição espiritual, pela simples razão de que penso que eles não duram, ainda que consigam espalhar-se. No máximo representam uma geração; mais comumente, uma moda; no pior dos casos, uma panelinha.

Reconheço que o humanismo está realmente tentando juntar as peças; como se alguns garotos houvessem quebrado um vitral e depois transformassem alguns cacos em lentes coloridas, as lentes cor-de-rosa do republicano, ou as lentes verdes e amarelas do pessimista e do decadente. Mas será que este humanismo consegue colar todos os cacos de novo? Onde está a cola que tornou a religião algo coletivo e popular, e que consegue prevenir que ela se despedace num monte de gostos sem vontade de submissão, interpretações e gradações individualistas? O que há para impedir que um humanista queira a castidade sem a humildade; e outro, a humildade sem a castidade; e outro, ainda, a verdade ou a beleza sem nenhuma das duas anteriores? O problema de uma moral e cultura duradouras consiste em encontrar uma disposição das peças ou pedras pela qual estas permaneçam unidas como num Arco do Triunfo. E só conheço um método que comprovou dessa forma sua solidez, atravessando terras e séculos com seus arcos gigantescos, e carregando por toda a parte o elevado rio do batismo sobre o aqueduto de Roma.