Afinal, qual é o verdadeiro problema?

Nos últimos dias, tenho acompanhado uma polêmica que se estabeleceu em Itaúna acerca da transferência de acampados no vizinho município de Itatiaiuçu para uma área próxima da divisa com Itaúna, na região do Córrego do Soldado. Em 2017, participei de reportagens acerca da invasão de sem-terra a uma fazenda em Santa Terezinha, distrito de Itatiaiuçu, quando algo em torno de 150 pessoas invadiram aquele local. Ao longo dos últimos anos, em algumas ocasiões, registrei matérias sobre a citada invasão, que levou o nome de Acampamento Maria da Conceição. Durante esses anos (de 2017 a 2025), responsável pela produção de noticiário policial de Itatiaiuçu, se muito, acompanhei uns dois casos de ocorrências policiais envolvendo acampados daquele local.
Mais que isso, pude ler matérias tratando da questão da produção de hortaliças em sistema orgânico, produzidas no acampamento e que estariam sendo negociadas em cidades da região, devido a ações de administração passada de Itatiaiuçu, que teria “proibido” este comércio, mas que passou a ser feito com a administração anterior e a atual sem problemas. Durante todo esse tempo, algumas informações acerca da luta na Justiça, dos proprietários da fazenda, para conseguir a sua desocupação. Não me lembro de, nesse período, ter acesso a algum fato de escândalo, de ocorrência policial, de baderna, ocorridos naquele acampamento.
Eis que, recentemente, proprietários da fazenda e acampados chegaram a acordo e os primeiros adquiriram uma fazenda na região do Córrego do Soldado e a ofertaram aos acampados, que aceitaram a troca. Tudo teria sido acertado na instância apropriada, em Belo Horizonte, onde o processo transitava. Só que alguns vereadores de Itaúna ficaram sabendo da situação e deram início a uma polêmica que transformou a questão em “risco para os itaunenses”, conforme tenho ouvido falar.
Ao ter acesso a um Estudo de Impacto Ambiental - EIA feito por uma profissional da área, levei um susto. Neste documento falam em duas mil e quatrocentas pessoas – 600 famílias –, fazendo o cálculo pela referência antiga do IBGE de 4 pessoas por família (hoje, registre-se, esse cálculo é de 2,79 pessoas-família, o que já daria uma redução considerável). O documento, bem elaborado, parece tratar da instalação de um bairro, na divisa de Itaúna com Itatiaiuçu, com população que hoje representaria quase 20% do contingente populacional da vizinha cidade. Aí, com certeza, um bairro nessas proporções traria muitos danos à região e, consequentemente, à cidade.
Porém, pelas informações que temos, não passam de duzentas pessoas que virão do acampamento da Monte Alvão, em Itatiaiuçu, com características rurais e não urbanas. Isso quer dizer que não se trata de um novo bairro a ser instalado, como parece se querer afirmar. Seria quase que o mesmo contingente populacional de um chacreamento que está sendo instalado naquela mesma região – 80 chácaras, mais ou menos, estas de mil metros cada – e que não provocou tamanho reboliço. Lembrando que as áreas a serem divididas entre os sem-terra são de algo em torno de um hectare por família – ou seja, dez mil metros e não mil metros, como ocorre no chacreamento citado, o que seria um adensamento populacional dez vezes menor.
Outra informação a ser levantada é de que, normalmente, nos acampamentos dos sem-terra existem regras de convivência, de respeito ao meio ambiente, de trato da terra, que não permitem o que se receia ocorrer, conforme as falas dos alarmistas. Então, pelo que se encaminha e a partir de informações obtidas, a situação pintada é a seguinte: um grupo de duas mil e quatrocentas pessoas estaria se mudando para a região do Córrego do Soldado, sem nenhuma regra, nenhuma estrutura, vão devastar a terra, vão poluir os córregos e rios, a região vai ser tomada por baderneiros.
Em contraponto, conforme informações colhidas em Itatiaiuçu, a realidade parece outra: serão cerca de 200 pessoas que vão se estabelecer em uma área rural, em pequenas propriedades, para produção de hortaliças orgânicas. Com o acréscimo de que este movimento é organizado, e que quem “sai da linha” e desrespeita as regras é alijado do processo.
Então, pelo visto, podem os edis itaunenses que criaram o escarcéu em torno do assunto estar “pagando mico”, como dizem por aí, por estar criando um problema onde, na verdade, a situação é outra. E levando o prefeito a se envolver nesse problema todo. Pior de tudo é que estão pedindo que sejam abertas ruas, colocado esgoto, calçamento, rede de água, mas o terreno é particular, e o Município, no caso o de Itatiaiuçu, não pode fazer isso em área particular. Não saber o que é e o que não é prerrogativa do poder público é um absurdo em se tratando de quem deveria fiscalizar esse tipo de coisa. Ou eles fingem que não sabem, o que seria pior. Por essas e outras é que a pergunta a ser feita nessa questão toda é uma só: se não fossem sem-terra, estariam criando o mesmo problema? Parece que não, pois não existe a mesma preocupação em outras situações, já existentes em Itaúna, como a invasão que está crescendo ali atrás da Cooperativa... ou aquele loteamento sem estrutura, atrás do Parque Jardim... ou até mesmo no Mamonal. Todas áreas de grande adensamento populacional. Não se sabe de ação proposta ao MP nesses casos. Por que será que o caso do Córrego do Soldado está criando essa celeuma toda? Será politicagem pura?
* Jornalista profissional, especialista em
comunicação pública e membro da Academia
Itaunense de Letras – AILE, sendo titular da cadeira 26.