O humanismo como religião?

O humanismo como religião?


Um querido amigo confundiu catolicismo com humanismo. Chegou ao ponto curioso de classificar Deus Encarnado, Nosso Senhor Jesus, como revolucionário, focado neste mundo. Humanismo significa valorizar, antes de Deus, o ser humano e a condição humana acima de tudo. O humanista confunde fé com emoção. A prioridade dele está se satisfazer com generosidade, compaixão e preocupação em idolatrar os atributos e realizações humanas. Pega ações humanas nobres e as coloca acima de Nosso Senhor – cuja Cruzada neste mundo é real, atual, sobrenatural, atacada por falácias e parte de nossa vida eterna. 

O humanismo surgiu com o Renascimento europeu, quis romper com a influência da Igreja fundada por Cristo e com o pensamento religioso. A ideia de ter Jesus Cristo no centro de tudo cede lugar ao antropocentrismo – nome para a visão de que o ser humano, seu “sentir bem”, sua sensação, sua conveniência, sua felicidade nesta vida, em detrimento da vida eterna e sua escolha selecionada de pontos de fé estejam no centro. 

Preciso recorrer a Chesterton para me ajudar a responder à indagação que me ocorre: mas, afinal, o humanismo pode satisfazer a humanidade?

A questão realmente é se o humanismo pode realizar todas as funções da religião; e, para isso, não posso senão avalia-lo em relação à minha própria religião: o catolicismo. O humanismo prende o homem à terra como uma planta ao invés de libertá-lo para o céu, nem mesmo como um pássaro, que dirá como um anjo. Precisamos de um restabelecimento das coisas REALMENTE humanas: a vontade que é moral, a memória que é tradição, a cultura que é o patrimônio mental de nossos pais. É impossível o humanismo ser uma religião, já que ele não tenha capacidade de substituir o sobrenatural, ou seja, o ‘super-humanismo’. Porque o mundo moderno, com seus movimentos modernos, está vivendo do seu capital católico. Está usando, e esgotando, as verdades que lhe restaram do velho tesouro do cristianismo; incluindo, é claro, muitas verdades conhecidas da Antiguidade pagã, mas cristalizadas no cristianismo. Não estamos começando coisas novas que possam realmente ser carregadas para um futuro distante. Pelo contrário, estão catando coisas velhas que não conseguem carregar de forma alguma. Os ideais morais modernos foram emprestados de mãos antigas e murcham muito rápido em mãos modernas.

Homens reais são maiores do que deuses irreais; e cada um desses homens reais é tão místico e majestoso como a simples humanidade que Deus escolheu para o mistério da Encarnação. 

Olha que interessante. Todo herege, seja ele protestante ou humanista, sempre exibiu três pontos. Primeiro, escolheu alguma ideia mística do feixe ou do equilíbrio de ideias místicas da Igreja (como por exemplo, a Bíblia). Segundo, usou aquela ideia mística solitária contra todas as outras ideias místicas. Terceiro (e é uma coisa singular), parecia em geral não ter noção de que sua própria ideia mística favorita fosse uma ideia mística, pelo menos não no sentido de uma ideia misteriosa, dúbia ou dogmática. Com estranha e inquietante inocência, parecia sempre ter tomado essa única coisa por certa. Presumia que era inatacável, mesmo quando a utilizava para atacar toda espécie de coisas similares. O exemplo mais popular e óbvio é a Bíblia. Para um pagão imparcial ou um ateu, deve sempre parecer a história mais estranha do mundo; que homens (como os protestantes) que invadem um templo para quebrá-lo (metaforicamente), derrubando o altar da Igreja e expulsando o sacerdote, encontrassem nele alguns livros sagrados intitulados “Salmos” ou “Evangelhos”; e que (ao invés de jogá-los no fogo como o resto dos Sacramentos, por exemplo) começassem a usá-los como oráculos infalíveis para censurar todos as outras características do mesmo lugar onde estes livros foram escritos. Se o altar-mor sagrado estava errado, por que os documentos sagrados secundários estavam necessariamente certos?

Muitos tomaram uma ideia transcendental em particular da antiga tradição católica; a ideia de que existe uma dignidade espiritual no homem por ser homem, e um dever universal de amar os homens por serem homens. Martelaram perpetuamente em sua divindade humana e dignidade humana, e no amor inevitável por todos os seres humanos, como se essas coisas fossem fatos naturais evidentes. E agora estão bastante surpresos quando novos e agitados realistas repentinamente explodem e começam a excluir maiorias para incluir minorias. O movimento woke é um exemplo.

Em resumo, desconfio de experimentos espirituais fora do centro da tradição espiritual, pela simples razão de que penso que eles não duram, ainda que consigam espalhar-se. No máximo representam uma geração; mais comumente, uma moda; no pior dos casos, uma panelinha.

Reconheço que o humanismo está realmente tentando juntar as peças; como se alguns garotos houvessem quebrado um vitral. Mesmo que substituam o lugar central de Cristo no altar, pelo prazer provocado por uma banda ou as palavras de autoajuda de um bom orador. Mas será que este humanismo consegue colar todos os cacos de novo? Onde está a cola que tornou a religião algo coletivo e popular, e que consegue prevenir que ela se despedace num monte de gostos sem vontade de submissão, interpretações e gradações individualistas O problema de uma moral e cultura duradouras consiste em encontrar uma disposição das peças ou pedras pela qual estas permaneçam unidas como num Arco do Triunfo – que só fica de pé pelo encaixe total. E só conheço um método que comprovou dessa forma sua solidez, atravessando terras e MILHARES de séculos com seus arcos gigantescos, e carregando por toda a parte o elevado rio do batismo sobre o aqueduto de Roma.