Gumercindo

Gumercindo
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A maioria de nós brasileiros damos muita importância aos livros estrangeiros, quando deveríamos dar mais importância aos livros nacionais, porque tem muita gente boa escrevendo por aqui. No caso de Tabajara Ruas, os estrangeiros descobriram nele um tesouro, porque ele é hoje comparado a Érico Veríssimo, sendo muitas vezes mencionado como seu sucessor. Este autor, além de escritor, é também cineasta, e tem nada mais, nada menos que 8 romances publicados no Brasil e traduzidos em 10 países. Ganhou o Prêmio Açorianos de Literatura em 1996, com o livro NETO PERDE SUA ALMA, dirigiu quatro longas-metragens, tem doze roteiros de longas e adaptou O TEMPO E VENTO para filme e minissérie de TV, e ainda não passa de um ilustre desconhecido entre os leitores brasileiros. 

Este livro é o epílogo do caudilho Gumercindo Saraiva. Ele está morto e não há o que fazer, a não ser enterrá-lo, longe de tudo, principalmente de suas terras, ou seja, ali mesmo. Certamente ele não merecia isto, mas foi o que sucedeu. 

O General Aparício Saraiva, irmão de Gumercindo, faz belo discurso ao pé do túmulo onde o corpo será depositado, e ele o descreve como sendo “um chefe nato, um caudilho senhoril, formoso, elegante e gentil, que conquistava o coração dos que se aproximavam”. Nisso chega a galope o tenente Rosário Saraiva, filho de criação de Gumercindo, alertando o General que “os cães estão próximos”, são em torno de cem e chegarão em meia hora ou menos.

Aparício inclina-se sobre a cova e promete enviar uma tropa para buscar seu corpo, para dar-lhe um enterro honroso em suas terras. O filho mais velho de Gumercindo, Francisco crava uma cruz de madeira na sepultura. Os homens sobem em suas montarias, a última pá de terra é lançada sobre o túmulo e partem.

Com a saída súbita dos Saraivas, uma parte da divisão do Norte, pertencente ao exército legalista, composta de 20 cavaleiros, aproxima-se a galope do túmulo de Gumercindo. Cinco homens à frente da comitiva desmontam, o general Lima, o Coronel Firmino de Paula, o major Ramiro, o jovem tenente Lobo e o vaqueano Caçapava. A terra ainda estava fresca e Caçapava achegando-se disse: “- É aqui!”.

O General manda que desenterrem para averiguar se é ele mesmo, acercam-se da sepultura improvisada e os homens de pás em punho removem a terra e rapidamente o corpo começa a aparecer trazendo consigo o cheiro fétido de podridão típico do cadáver “post mortem”. 

O General aponta o casarão no alto da coxilha e indaga de quem seja, tomando conhecimento de se tratar da residência de uma viúva, que mora sozinha. 

Desenterram, afinal, o defunto e o estendem no chão, todos levam os lenços ao nariz e o General ajoelha-se perto do cadáver sem tirar o lenço do nariz para observá-lo melhor e diz: “- As orelhas são minhas”. Com uma navalha corta as orelhas e as enrola num lenço colocando no bolso de seu casaco. 

Já o Coronel Firmino cutuca o morto com a ponta da bota, dizendo que ele está bem mortinho e ordena que amarrem o corpo do caudilho no portão bem alto e Ramiro, sem entender o porquê de tudo aquilo, pergunta qual a razão do procedimento. 

Ora, “porque a Divisão do Norte vai passar em frente do cadáver”. 

 “- E daí?”, emendou Ramiro. “- Para cuspir nele”.

Ramiro, sem entender e pasmado, ouve a justificativa do Coronel, trata-se de guerra psicológica, necessária para elevar o moral das tropas. 

Caçapava adianta-se e vai dizendo ao Coronel que cortar as orelhas não é o suficiente, o traia tem que ser castigado depois de morto. 

Foi assim que o incauto vaqueano, passando a mão na navalha, separa o corpo de sua cabeça. Tá feito e não há como remediar. Agora a cabeça está na mesa de campanha do Coronel Firmino. Começa então uma discussão de quem mereceria a cabeça de Gumercindo, já que as orelhas, ficaram com o Lima, e finalmente Caçapava emendou: ninguém mais a merece do que você Coronel Firmino, mas logo o Firmino? Disse que ninguém mais a merecia do que o Comandante em chefe, o presidente da província, o doutor Júlio de Castilhos.

Com isso o Coronel encarregou Caçapava e o Lobo de levarem a cabeça até Porto Alegre e entregá-la ao presidente da província. E considerando que dois seria pouco, a essa comitiva foi acrescentado mais um, o melhor atirador – O Major Ramiro. Perto dali, entretanto, o General Aparício, arrependido, diz ter sido um erro ter abandonado o corpo do irmão Gumercindo para trás e decide formar um piquete para buscar o corpo de Gumercindo e dar-lhe um enterro decente.

E esta luta pela cabeça de Gumercindo Saraiva dá início a uma caça de gato e rato pelos pampas rio-grandenses, que somente os que lerem poderão avaliar de que cerne foi feito Tabajara Ruas.