Além dos direitos é preciso cumprir com os deveres

Além dos direitos é preciso cumprir com os deveres


Os dias atuais são de muitas cobranças por direitos e muito esquecimento em relação a deveres. Esta observação ficou ainda mais evidente para mim, após visita feita à Argentina, no final do ano passado. Observador que sempre fui, notei que as ruas de Buenos Aires – não só na área central, mas também na periferia por onde andei – não se vê tanto lixo, como aqui. No transporte público, nos ônibus, nos trens, não há pichações, nem estragos tantos como se vê por estes lados. Nos banheiros públicos, a limpeza é bem melhor. Outra observação que fiz foi que, lá, as pessoas atravessam sempre na faixa de pedestres. Em uma viagem de trem, que fiz a uma cidade vizinha, vi com admiração, uma criança comer um doce e entregar o papel que o embalava à mãe que, naturalmente o colocou na bolsa, guardando-o certamente para descartá-lo em local adequado. O mesmo notei em relação a um senhor que, após beber o líquido de uma garrafa plástica, a entregou a um rapaz, provavelmente seu filho, que a guardou na mochila. E assim é nos ônibus, nas ruas... Outra observação feita foi em relação ao cocô de cachorro. Para todo lado, mas principalmente nos parques e praças, se vê pessoas conduzindo vários cães ao mesmo tempo. São os chamados “tomadores de conta de pets”. Mas por todos os parques e inúmeras praças em que eu, minha esposa e meu filho andamos, notei que não havia esse incômodo resíduo pelo chão. A não ser no bairro popular La Boca, por onde passeiam um número imenso de turistas, principalmente próximo do estádio do Boca Júnior, onde em alguns lugares existia, sim, cocô de cães nos passeios. Talvez seja a influência de tantos turistas... Vi muito grafite, mas não pichações e as propagandas, em outdoor, por exemplo, somente em locais determinados e não como acontece por aqui, quando cartazes, faixas, são colocados em qualquer poste, esquina, fachada. Também pude assistir, em duas ocasiões, cidadãos simples, questionando policiais, em um caso, aos berros, por não concordarem com a atitude dos militares. Fiquei imaginando se o fato fosse por aqui... como teria terminado.

Mas essas informações não são para elogiar os moradores do País vizinho, pois por lá também vi mazelas, até porque aquele país passa por uma séria crise financeira há muitos anos e vê sua economia em frangalhos. Porém estas observações só fizeram com que aumentasse em mim a certeza de que nós, brasileiros, cobramos muito os nossos direitos e nos esquecemos de cumprir com os deveres. E é dever do cidadão, não jogar lixo nas ruas, não pichar as paredes e muros, recolher as fezes dos nosso pets quando saímos com eles para dar uma volta. Atravessar nas faixas de pedestres e respeitá-las, quando estamos ao volante. Porém, só damos valor a esses deveres quando é o outro que não o respeita. O que mais se vê no dia a dia, nas nossas cidades, é o cidadão cobrar a falta de civilidade do outro, enquanto joga o pape do picolé no passeio, como se isso fosse normal. Lembro que, quando o ex-prefeito Osmando me convidou para coordenar o setor de resíduos em Itaúna, a cidade tinha lixo por todo lado. Alguns contêineres estavam espalhados pelas ruas centrais, onde as pessoas depositavam lixo. Fizemos um trabalho de conscientização, algumas vezes até multando quem não obedecia às determinações, chamando as pessoas à responsabilidade, para que cumprissem com os seus deveres de colocar o lixo para ser recolhido adequadamente, no horário determinado. Tínhamos dois fiscais – meus amigos Adgar e a Thiara – que ficavam o dia nas ruas, fiscalizando disposições irregulares de lixo e entulho. Obtivemos sucesso, com certeza, pois até hoje recebo agradecimentos por algumas atitudes tomadas naquela época. Mas, na verdade nada mais fizemos do que cobrar o cumprimento dos deveres aos cidadãos. E deu certo. O mesmo, com a coleta seletiva que implantamos em Itaúna, em 2001, em parceria com o meu compadre Ralim Mileib e com a coordenação do ex-prefeito Osmando. Até hoje muitas pessoas de Itaúna mantém o hábito da separação, mesmo que não se divulgue mais os princípios da coleta – parece que a atual administração, que está prestes de encerrar (daqui a menos de um ano), não a divulga como deveria porque foi implantada por um prefeito que eles têm como inimigo, ou seria incompetência, falta de visão, mesmo... Mas o fato é que funcionou, os itaunenses aderiram. Ela existe e é praticada por uma grande parte da população até os dias atuais. E sabe por quê? Porque conscientizamos as pessoas a cumprirem com o dever, não só pelo discurso, mas pelo exemplo. Isso, explicando para elas que era um direito de todos ter a cidade mais limpa, desde que todos cumprissem com o dever de participar ativamente deste trabalho.

O texto de hoje é no sentido de deixar claro que devemos cobrar, sim, pelos nossos direitos, mas que temos a obrigação de cumprir com os nossos deveres. E de afirmar aos homens públicos que é preciso gastar mais energia com a conscientização da população para que esses deveres sejam cumpridos, ao invés de viver da pregação de conceitos políticos que não condizem com a realidade de todos os dias. Ser ‘de direita’, ou ‘de esquerda’, “cristão” ou não, é antes de tudo dar o exemplo pelo cumprimento dos nossos deveres. Agir ante o coletivo de maneira proativa e saber que a nossa opinião ou vontade individual, a nossa crença religiosa, não pode e não deve prevalecer à vontade da maioria.

* Jornalista profissional, especialista e comunicação 

pública, membro da Academia Itaunense de Letras – 

AILE, sendo titular da cadeira 26.