Um olhar de preservação, com ângulos diferentes...

Um olhar de preservação, com ângulos  diferentes...




Na semana passada, evitei entrar na polêmica criada por uma senhora, senhorita, uma moça, jovem... nas redes sociais, quando ela atacou de forma, digamos, irônica, a nossa mais tradicional festa: o Reinado. Comemoração em homenagem à Nossa Senhora do Rosário, a festa dos pretos, dos congadeiros, da fé e da alegria, que leva uma multidão ao Alto do Rosário, onde, conforme os registros históricos, tudo começou. Foi lá que a Ita = pedra, Una = negra, se originou, com o povoado descendo a ladeira, chegando às margens do Rio São João Acima e se estendendo pelo vale, originando o município que hoje é fulgente na região Centro-Oeste em nossas Minas Gerais.

Acho que a moça que foi para as redes sociais e de forma deselegante e até preconceituosa, bocejou palavras não muito elegantes contra a nossa mais tradicional festa popular, com certeza, não aprendeu na escola a olhar para o seu “quintal”, diríamos, quando blasfemou palavras contra a Festa do Reinado, que estaria atrapalhando as suas noites com o retumbar das caixas, o som dos chiques-chiques e as cantigas originarias dos rituais africanos, replicadas nos quintais das senzalas, entrando pelas janelas das Casas Grandes, nas fazendas de café e cana de açúcar Brasil do Brasil colonial. 

Achei uma falta de respeito para com os nossos congadeiros, mas mais que isso, o desrespeito foi para com a população itaunense quase num todo, pois parcela significante dela, marcou presença no Alto do Rosário na terça-feira, dia 15 de agosto (calcula-se mais de 20 mil pessoas) e dessa parcela, um número expressivo pegou a coroa e rodeou uma das Capelas do Rosário por várias vezes, pagando a promessa que fizera em algum momento da vida, do ano... E muita, muita gente mesmo, foi até a Igrejinha antiga, restaurada e cuidadosamente decorada com flores, assistir uma das missas celebradas no dia, em homenagem à Nossa Senhora do Rosário, olhando para a sua imagem postada à frente da porta principal. 

Ao redor da igreja principal as guardas, que se concentraram em frente à casa da Dona Sãozinha na Av. Getúlio Vargas, e subiram a Rua José Luiz Guimarães e depois a Gonçalves da Guia, rumo ao topo do morro em uma procissão almejando à igreja para ali rodar por várias vezes tocando seus instrumentos rústicos, cantando as músicas originárias do continente africano e abrasileiradas... e com suas vestimentas tradicionais, coloridas e cuidadosamente confeccionadas, conduzindo as bandeiras com imagens de Nossa Senhora e as “latinhas” nas “canelas” a fazer um barulho único quando os pés, num trepicar cadenciado batiam ao solo, ditando o ritmo das canções únicas, os congadeiros rodopiavam cantarolando... 

No Bairro das Graças, ou na Rua da Ponte, ainda pela manhã do dia 15, em frente à casa da Rainha Conga, Dona Mariana e do Rei Gongo Dilermando, as caixas soaram em frente a um altar de fé, com imagens de Nossa Senhora do Rosário, dentre outros Santos e Santas. E tanto na casa de Dona Sãozinha – a eterna Rainha – como na casa da Rainha Conga Dona Mariana, na Rua da Ponte, as cozinhas estavam com as labaredas dos fogões à lenha e a gás mudando a temperatura ambiente com as panelas e bacias gigantescas, cozinhando o almoço tradicional composto basicamente de arroz, macarronada e frango, dentre outras carnes. Mesas fartas e para todos os presentes, principalmente para os membros das guardas daqui e as visitantes, cerca de 20 de cidades vizinhas e compostas por senhores já airados, homens de meia-idade, jovens, mulheres e crianças, todos com ares de satisfação, de concentração, e no olhar, o principal: a demonstração de fé. 

As bandeiras, levantadas na primeira semana de agosto, no primeiro dia do mês, em frente às Igrejas para avisar que a festa de fé estava começando, ficaram de pé até a noite da quinta-feira, dia 17, para que os dias de fé fossem contados e vencidos. Ano que vem tem mais, e a demonstração de fé de milhares de itaunenses que subiram a Gonçalves da Guia, independente de classe social, cor e raça, foi demonstrada mais uma vez. Quanto aos que se sentiram incomodados com o barulho das caixas de couro cru e ou com os cantos em tom de louvor e que não entenderam que ali estavam demonstrações de fé, de cultura popular e preservação, demonstraram que esqueceram o que é cultura raiz, quando estudaram a história da nossa Paragem do Rio São João Acima, com suas peculiaridades. Esses, que mudem de endereço, pois repito: ano que vem tem mais. 

E para fechar o raciocínio de que a tradição, a fé e a memória precisam ser preservadas em prol de se efetivar o passado aos que ainda não chegaram a esse mundo, abro outro assunto para registro e que se não é para a preservação da memória afetiva, é para a preservação da história do município e de um itaunense ilustre que não precisava fazer o que fez, mas se preocupou com o seu povo, construindo um hospital no início do século passado. Estou falando de Manoel Gonçalves de Sousa Moreira, o Manoelzinho, que gastou parte da sua fortuna construindo a Casa de Caridade. Como publicado na primeira página desta edição, as ruínas do hospital velho vão ser reconstruídas. Até que enfim, a nova direção da entidade, juntamente com outros itaunenses preocupados, conseguiu a aprovação da planta de reforma e as obras devem ter início em 60, 90 dias. Recursos da ordem de 500 mil reais já estão ajustados. 

Cito essa notícia porque é a preservação da memória. É a história sendo registrada e podendo ser contemplada e estudada. Isso é tão importante quanto cultivar as tradições, como a Festa do Reinado. E é graças a alguns poucos itaunenses preocupados com o passado, o presente e o futuro, é que vamos ter a memória da nossa Casa de Caridade preservada. E são muito poucos itaunenses mesmo. Pouquíssimos, porque a maioria se porta como a moça que se expos no Instagram. Não sabe sequer para que lado o vento sopra... E vão dizer que ninguém vive do passado, mas sim do presente, olhando para o futuro. Concordo. Mas é preciso entendê-lo para poder olhar pra frente...  

Por: Renilton Pacheco