O otimista como suicida

O otimista como suicida


Chegamos ao momento anual da pregação do otimismo. Domingo já é 2023. Junto disso, desta vez, há uma virada de ano com destaque sobre o legado do Papa Bento XVI – cuja condição de saúde acabou de ser anunciada como terminal. Jovem, Joseph Ratzinger testemunhou o colapso espiritual e material da Alemanha pré-Segunda Guerra. Santo Agostinho o ensinou como o mundo moderno poderia voltar-se para Deus. Ratzinger percebeu que muitos membros da hierarquia eclesiástica vinham descartando repentinamente a tradição doutrinal e litúrgica da Igreja para abraçar um espírito mundano. A resistência dele a essa autodestruição levou detratores a uma longa campanha de assassinato de sua reputação, procurando mudar a imagem do tímido e gentil professor para transformá-lo num grande inquisidor reacionário. O biógrafo de Bento XVI, Dr. Jared Staudt, brilhantemente nos conta que após o religioso servir ao longo do pontificado de João Paulo II, lidando com questões relacionadas ao marxismo, à relação entre a Igreja e outras religiões, à redação do Catecismo, o Papa Bento XVI foi escolhido como o mais adequado sucessor a continuar a trajetória da Nova Evangelização. Captamos o legado de Bento XVI de forma mais plena em seu testemunho incansável e profético da necessidade de pôr Deus acima de todas as coisas, dando a Ele a primazia na liturgia, na sociedade e em nossas próprias vidas. Nesse contexto, mais uma vez a serviço de ser um mero transmissor do pensamento de G.K. Chesterton, eis minha reflexão de ano novo para o querido leitor que me aturou ao longo de 2022.

Os livres pensadores às vezes pensam bastante, embora nunca livremente. No mundo moderno ocidental, pelo menos, parece que estão sempre amarrados ao mecanismo de um universo materialista e monista – pensamento segundo a qual a realidade é constituída por um princípio único, uma substância elementar, sendo os múltiplos seres redutíveis em última instância a essa unidade. O livre-pensador não é livre para questionar o monismo. É proibido, por exemplo, de acreditar num milagre. É proibido exatamente no mesmo sentido em que diria que nós, católicos, somos proibidos de acreditar numa heresia. Uma ressalva: O HOMEM QUE REJEITA COMPLETAMENTE A FÉ (O CÉTICO) É COM FREQUÊNCIA MUITO VALIOSO COMO CRÍTICO DAQUELE QUE A REJEITA EM PARTE, OU POUCO A POUCO. A pessoa que escolhe algumas partes do catolicismo que lhe agradam, e joga fora alguma outra parte que a desconcerta, produz não apenas os resultados mais estranhos, mas em geral o exato oposto do que deseja. 

O cético pensa sobre a alma de forma supersticiosa, como um animal com asas, secreto e separado; ele considera a alma como algo à parte da pessoa. UM DE SEUS ARGUMENTOS CONTRA A IMORTALIDADE É O DE QUE AS PESSOAS NÃO ACREDITAM REALMENTE NELA. E um dos argumentos que dá para isso é o de que, se acreditassem numa felicidade após o túmulo, as pessoas todas se matariam. Ele não sabe nem o que está perguntando.

Ora, finalmente temos aqui a flor e a coroa definitiva de todo o otimismo moderno, e do universalismo e humanitarismo, cuja crença pensa que a única obrigação moral do homem é trabalhar para promover o bem-estar da humanidade. OS SENTIMENTALISTAS FALAM DE AMOR ATÉ QUE O MUNDO ESTEJA FARTO DA MAIS GLORIOSA DE TODAS AS PALAVRAS HUMANAS; partem do princípio de que não pode haver nada no outro mundo exceto a espécie de utopia de prazer prático que eles nos prometem (mas não nos dão) neste mundo. Declaram que tudo será perdoado, pois não há nada para perdoar. Insistem em que o “passamento” é apenas como ir para a sala ao lado, insistem em que não haverá nem mesmo uma sala de espera. Declaram que seremos imediatamente introduzidos num aposento almofadado, com todos os confortos concebíveis, sem nenhuma referência à maneira como chegamos ali. Estão convictos de que não há perigo, nem demônio; nem mesmo morte. Tudo é esperança, felicidade e otimismo. E, como o ateu observa, com muita razão, o resultado lógico de toda essa esperança, felicidade e otimismo seria o de centenas de pessoas enforcando-se em postes de luz, ou milhares atirando-se em precipícios. Descobriríamos que o resultado racional da moderna Religião da Alegria e do Amor era uma imensa onda humana de suicídio. O pessimismo teria matado mil, mas o otimismo teria matado dez mil.

Ora, UM CATÓLICO SABE A RESPOSTA, POIS POSSUI A FILOSOFIA COMPLETA, que mantém um homem são, e não um mero fragmento dela, seja triste ou alegre, que poderia facilmente enlouquecê-lo. Um católico não se mata porque não tem a certeza de que merecerá o Céu de qualquer forma, ou de que NÃO TEM IMPORTÂNCIA SE O MERECE OU NÃO. O católico sabe bem qual lealdade estaria violando, e qual mandamento ou condição estaria desobedecendo. Na verdade, pensa que um homem pode estar mais pronto para o Céu porque suportou a vida como um homem; e que um herói poderia ser um mártir do câncer assim como São Lourenço ou Santa Cecília foram mártires de caldeirões ou grelhas. A fé numa vida futura, a esperança de uma felicidade futura, a crença de que Deus é Amor e de que a fidelidade é a vida eterna, essas coisas não levam à loucura e anarquia, se são consideradas junto com as outras doutrinas católicas sobre o dever e a vigilância contra os poderes do Inferno. Poderiam levar à loucura e anarquia se fossem consideradas sozinhas. E OS MODERNISTAS, ISTO É, OS OTIMISTAS E SENTIMENTALISTAS, DE FATO QUERIAM QUE AS CONSIDERÁSSEMOS SOZINHAS. Há duas forças lado a lado: uma para o suicida pessimista e a outra para o suicida otimista.

O fato é que nesta passagem o cético racionalista responde ao modernista, mas não ao católico. E este é apenas um de uma longa lista de exemplos históricos, nos quais aqueles que tentaram tornar a Fé mais simples invariavelmente tornaram-na menos sã. Os muçulmanos imaginaram que estavam sendo apenas sensatos quando reduziram o credo à mera crença num deus; porém no mundo da psicologia prática o que realmente fizeram foi reduzi-la a um destino. O efeito real nos homens comuns foi simplesmente o fatalismo, como o do turco que não levará seus feridos para um hospital, porque está resignado à Kismet, ou vontade de Ala. Os protestantes acharam estar simplificando as coisas ao apelar para o que chamavam as palavras claras da Escritura; porém estavam na verdade complicando as coisas ao gerar meia centena de seitas autocentradas e sugestões loucas. E os universalistas e humanitaristas modernos achavam que estavam simplificando as coisas quando interpretaram a grande verdade de que Deus é Amor como se esta significasse que não pode haver guerra contra os demônios ou perigo para a alma. Porém na verdade estavam inventando enigmas ainda mais obscuros com respostas ainda mais alucinadas; e o cético clássico sugeriu uma delas. Ele ficará satisfeito em receber os agradecimentos de todos os católicos por isso.

Por Rafael Corradi Nogueira