Geovane, Bimba e Donizete: Os meninos dos Unidos da Ponte

Geovane, Bimba e  Donizete: Os meninos dos Unidos da Ponte


Prestem atenção, pessoal! Quando eu apitar, só quero ouvir a batida do surdo de primeira, depois entram os surdos de segunda e, finalmente, o surdo de terceira, para fazer o contraponto à “conversa” entre os surdos de primeira e segunda – explicava o maioral, Mário Coqueiro, para os atentos ritmistas da Escola de Samba dos Unidos da Ponte, lá na pracinha do Bairro das Graças. Eu quero um tamborim “mexido”, e nada de ficar olhando pro chão – continuava o grande Mestre de Bateria da mais famosa Escola de Samba da cidade. Agora os metais, reco-reco, agogô e chocalho – insistia e apitava ao mesmo tempo, regendo a orquestração da grande bateria. É, o Mário Coqueiro entende das coisas - comentava o pessoal que se aglomerava no entorno da pracinha do Bairro das Graças, para assistir a mais um ensaio da Escola de Samba do coração. Dizem que ele aprendeu tudo isso lá no Rio de Janeiro, na época em que trabalhou como chapa da Transportadora Diniz e costumava ficar até três dias no depósito da transportadora, que era bem ao lado de uma quadra de uma Escola de Samba carioca – comentava o Paulino da Loja Santana, numa roda de amigos, na porta do Bar do Dilon. Realmente o Mário Coqueiro era o grande maioral do carnaval de Itaúna em meados da década de sessenta. Magro e de estatura mediana, além de ótimo sambista, tinha liderança, sabia comandar e era rigoroso na escolha de novos componentes para integrar a sua famosa bateria nota dez. 

Naquela terça-feira à noite, próximo do carnaval, três garotos com idade entre 12 e 13 anos assistiam pela centésima vez o ensaio, e até babavam de vontade de participar da famosa bateria da Escola de Samba do Bairro das Graças. Ô Geovane – falou o Bimba – vai lá ocê mais o Donizete e pede pro seu Mário pra gente entrar pra tocar, sô! Realmente justificava o interesse dos três garotos. Filhos de tradicionais famílias do bairro, já sabiam tocar quase todos os instrumentos da bateria, pois viviam pelas ruas do bairro batendo em latas, panelas e velhas frigideiras. Só faltava a oportunidade de tocar em instrumentos de verdade como: surdos com couro de cabra e tamborins com couro de gato. Tímidos e receosos, aproximaram-se do grande mestre de bateria, que de sapato e calça branca, camisa vermelha e chapéu de feltro preto, gesticulava frente à bem ritmada bateria e pediram para tocar: ô seu Mário, dá uma oportunidade pra nóis, sô! – exclamou timidamente o Geovane com os seus doze anos de idade. Tranquilamente, o Mário Coqueiro encarou os três garotos postados à sua frente e sentenciou: Tudo bem, mas quem quiser tocar na minha bateria tem de trazer uma lata grande e das boas para fazermos mais um surdo de marcação. Se não trouxerem, não entram – sentenciou. 

Já eram quase oito horas da noite quando os três garotos, Geovane, Bimba e Donizete, saíram pelas ruas do bairro e vizinhanças à procura de uma lata que atendesse às exigências do Maioral da Unidos da Ponte. Na época, todo o lixo das casas era acondicionado em latões e colocado na porta das casas para ser recolhido pelos caminhões da Prefeitura. Naquela mesma noite, já passava das vinte e uma horas quando o silêncio da Rua Silva Jardim foi quebrado pelos gritos do Espanhol do Grande Hotel, que, de pijama e aos berros, com uma vassoura na mão, corria atrás de três garotinhos que, disparados rua afora, corriam rumo à Rua da Ponte, levando a melhor lata de lixo do hotel...                                         

Obs.: Anos mais tarde, um dos garotos foi eleito presidente e os outros dois diretores de bateria e de carnaval da famosa Escola de Samba dos Unidos da Ponte.

Por: Sérgio Tarefa