A cor que não desbota...

A cor que  não desbota...


Segundo levantamentos e estudos do meu saudoso amigo e mestre Dr. Guaracy de Castro Nogueira, historiador itaunense, eu sou descendente de portugueses e africanos escravos. Nos estudos do Dr. Guaracy, sou parente de um dos fundadores do povoado do Rio São João Acima, o português Antônio Gonçalves da Guia, e da escrava Herculana, que se casou com o filho do Coronel Antônio da Guia, e que também se chamava Antônio. Vem daí a origem dos Herculanos e dos Pereiras. E o mais importante é que, dessa origem, da mistura de portugueses com escravos africanos, é que veio a cor morena, parda ou negra, como queiram. 

E é exatamente essa cor que tenho. Sou moreno escuro de “cabelo bom”, como dizem os “branquelos”, quando querem catucar, ou um “negrinho”, um “escurinho adotado”, pois tenho irmãos e primos que são claros. Pois bem, a introdução é para entrar no tema racismo, que tomou conta da mídia internacional e nacional no decorrer na última semana por causa das ofensas sofridas na Espanha pelo jogador de futebol de origem carioca Vinícius Júnior, que foi chamado de macaco, de negro, e que teve um boneco dependurado por uma corda em volta do pescoço em um viaduto em plena Barcelona. 

Atos de racismo em território europeu não são novidade e ainda mais em campos de futebol... Mas no Brasil isso é constante e pior, e é motivo de risos e piadas, e na maioria das vezes passa desapercebido, porque o negro ofendido não quer se expor, e o branco, literalmente metido a besta, não assume a sua postura racista, se esconde por detrás da sua origem “misturada”, não sendo capaz de enxergar a sua própria cretinice. Mas isso é Brasil. E ponto. 

Como todos nós somos testemunhas, os episódios de racismo têm se tornado mais constantes, pois, mesmo com o medo de se expor, o negro ou o moreno, que são chamados de crioulos, já não suportam mais as ofensas e têm registrado ocorrência policial e levado esses ataques até a Justiça. E o caminho é esse, pois só mesmo sendo um “moreninho” ou um “crioulinho” para entender o que são esses ataques racistas e que são constantes, e na maioria das vezes em tom de brincadeira, mas sempre com uma ironia intrínseca entre as falas e os gestos. É mesmo preciso acabar com isso, principalmente no Brasil, pois somos um país de mestiços e quiçá de maioria negra. Os episódios registrados na Espanha apenas servem para trazer à tona, de forma mais contundente, a situação dos negros em todo o mundo e principalmente no território brasileiro, onde o racismo ainda é muito alto e é impulsionado pelas condições econômicas dessa maioria negra, que está nas favelas, nos bairros pobres. E é bom frisar que, quando uma minoria crioula consegue se sobressair, estudando, trabalhando e galgando posições de destaque entre os ditos “brancos”, é que pode perceber como nosso país ainda enxerga os descendentes africanos como cidadãos menores. 

Hoje, mesmo com as garantias constitucionais de igualdade, nós negros somos pisoteados e tratados com diferença ou muita indiferença, como queiram, em todos os ambientes, sejam eles profissionais, sociais, oficiais e/ou religiosos, inclusive. A igreja católica, mesmo tendo mudado muito sua postura nas últimas décadas, ainda mostra seu lado racista, principalmente nos Brasis, pois nosso país é uma imensidão e as diferenças de colonização de regiões acabam por expor um espírito racista que predomina principalmente em regiões como no Sul e no interior de São Paulo e de Minas, com maior destaque. Constitucionalmente, nossa igualdade está garantida, mas socialmente o preconceito e o racismo estão exacerbadamente entranhados na cultura dos nossos povos colonizados por portugueses e outros europeus, fugidos das duas grandes guerras acontecidas na primeira metade do século passado, ou por aqueles que vieram buscar riquezas nessa imensidão brasileira. 

E como bem está sendo cobrado na coluna ao lado, do articulista Sérgio Machado – arquiteto e, a meu ver, também um fomentador cultural –, além do negro ser parte importante na formação, construção e evolução desse país, ele é de fato e de direito o mais importante formador dessa raça “misturada” que é o brasileiro. Então temos que cobrar não só respeito, igualdade e espaço, mas também a preservação dos registros históricos, como bem frisou Sérgio Machado em seu artigo. Somos uma “mistura” complexa, pois carregamos culturas opostas e nossa pele reflete ao sol, pois nossos antepassados trabalharam sob sua luz nas lavouras de cana de açúcar e café, e na escuridão terra adentro, nas minas de ouro. Então temos os mesmos direitos, assim como os deveres, dos ditos brancos e não só podemos, como temos e devemos nos posicionar na busca não somente do respeito, mas do reconhecimento. E este deve começar pela preservação da história, não só contada, mas traduzida em gestos, em atos. Somos negros e essa mistura de raças só veio para agregar, construir e mostrar para o mundo que o continente africano e as misturas nas Américas do Sul e do Norte, com seus países construídos pelos negros escravizados, são uma realidade que não se apaga com o tempo. Então que o respeito prevaleça sob a intolerância. Nossa cor? Não desbota. E as respostas à intolerância vêm em apenas um gesto: o punho cerrado. Mas nunca com a indiferença.

por Renilton Gonçalves Pacheco