Jerônimo e o velório em Santanense

- “Hiiiii! - Lá vem o Jerônimo!” - Exclamou um grupo de amigos reunidos em volta de uma farta mesa de cerveja na porta do Bar do Feijão, lá no Bairro de Santanense, quando aquela figura maltrapilha, suja e malcheirosa se aproximou cambaleando em direção da porta do Bar.
- “Ô, Ô, Ô, paga uma pinga pra mim, sô! Só uma, mas no capricho, que eu vou embora e não amolo mais ocêis, viu!?”. E assim era de segunda a segunda, de bar em bar, faça sol ou faça chuva a peregrinação do Jerônimo, velho conhecido de todos, pelas ruas do bairro. Ninguém sabia de onde que ele era, se tinha família ou mesmo o seu nome completo. Era conhecido por todos simplesmente por Jerônimo desde o dia em que apareceu perambulando pelas ruas de Santanense, há mais ou menos uma década atrás e vivendo de um prato de comida aqui, um pão de sal ali e muita, mas muita cachaça. Vivia bêbado, pois para ficar livre de sua desagradável presença, quase ninguém lhe negava uma dose ou, às vezes, até um rabo de galo no capricho. Mesmo embriagado, desde a hora que acordava até altas madrugadas, pelo fato de andar diariamente por todo o bairro, sabia de tudo que acontecia por lá. Quem morreu e por qual motivo, as brigas dos casais, separações, maridos chifrados, cujas às ditas cujas pulavam a cerca, noivados e casamentos marcados ou desfeitos e tudo mais... Era a central de informações do bairro, que muitas vezes, eram pagas no balcão dos bares e butiquins com robustas doses da marvada, pelos interessados. No meio de uma semana chuvosa, já por volta das duas horas da tarde, uma notícia correu rapidamente de ponta a ponta pelo bairro: - “o Chico do Osvaldinho morreu!”
- “Tomou veneno! Suicidou!”
Às pressas, correram com ele pro hospital do Manoelzinho e apesar dos esforços da equipe médica ele acabou batendo as botas. Morreu agorinha mesmo... diziam os moradores do bairro em rodinhas de fuxico aqui e acolá. O velório vai varar a madrugada e o enterro vai ser no inicio da manhã do dia seguinte no cemitério local.
O velório seria concorrido, pois o falecido havia se aposentado há pouco na Cia. de Tecidos Santanense, onde havia trabalhado por quase quarenta anos, sempre ocupando cargos de supervisão e média Gerência. Tinha um grande círculo de amizades e uma parentada esparramada por toda a cidade. A notícia da sua morte, por suicídio, havia causado não só surpresa, mas também uma grande comoção entre os parentes e amigos mais próximos.
- “Quem podia imaginar uma coisa desta, gente!” – Exclamava o Jovico do Bia, numa roda de amigos - “pelo que eu sei, ele não tinha grande problemas, a não ser uma grande saudade de voltar ao batente do dia a dia na Cia. de Tecidos Santanense”.
- “É! – Ele tinha uma grande paixão pelo seu serviço e de uma hora pra outra se viu em casa, com o dia todo sem ter o que fazer. Só pode ser isto” - concluía para os atentos amigos em sua volta.
Já eram aproximadamente umas dez horas da noite, com a residência do falecido abarrotada de gente, em função do grande círculo de amizade da família, quando ele chegou. Logo, logo um zum, zum, zum de reprovação percorreu todo o recinto, quando aquela figura suja, maltrapilha e exalando cachaça por onde passava, foi entrando, entrando e se postando bem ao lado do caixão, próximo à viúva.
- “Vê se pode! Como eles deixaram o cachaceiro do Jerônimo entrar em um recinto tão familiar!”.
- Exclamavam uns.
- “Só falta agora ele pedir uma dose de cachaça pra coitada da viúva que está aos prantos, debruçada sobre o caixão!”. – Exclamavam outros. Um grupo de rapazes ameaçou colocar pra fora da casa o indesejável intruso, mas foram contidos pelos familiares do falecido.
Em pé, com os braços cruzados bem ao lado do caixão e em silêncio, o Jerônimo, observado por todos que lotavam a ampla sala, fitava atentamente o falecido, quando para surpresa e apreensão de todos, indagou bem alto para a chorosa viúva.
- “Estricnina?”.
- “Solda cáustica!” – Respondeu a chorosa viúva, sem ao menos levantar a cabeça.
- “Bão tamém!” – Exclamou bem alto o simplório cachaceiro, e ao mesmo tempo, para surpresa de todos, foi se retirando tranquilamente do recinto em direção a um bar na esquina..............