Itaúna tem a coleta seletiva mais duradoura do País

Apesar de “passar desapercebida das autoridades”, população continua separando o lixo seco do lixo molhado depois de 21 anos

Itaúna tem a coleta seletiva mais duradoura do País
No dia primeiro de julho de 2002, um desfile pelas ruas de Itaúna, com alunos da rede municipal, cooperados da Coopert, representantes de bairros, servidores públicos e população em geral, anunciou a coleta seletiva de lixo “secos e molhados”, que continua gerando resultados 21 anos depois.


No dia primeiro de julho de 2002, era lançada em Itaúna a proposta de coleta seletiva mais longeva em funcionamento no Brasil. O País, que tinha iniciado no final dos anos 1980 um trabalho mais intenso de implantação de coletas seletivas de lixo, chega a 2023 com o inexpressivo alcance de 4% de efetividade na separação do lixo reciclável, conforme texto publicado por Alana Gandra, no site da Agência Brasil, em 5 de junho de 2022. E esse texto informa ainda que o Brasil perde em recuperação possível de lixo para países como Chile, Argentina, África do Sul e Turquia, que mantêm uma média de efetividade acima de 16%. Enquanto isso, Itaúna mantém, há 21 anos, um modelo de coleta que se compara aos índices de países mais avançados nesta questão, como Alemanha, Japão, Holanda, Estados Unidos e outros.

Mesmo assim essa conquista “passa desapercebida” pelas autoridades municipais, como aponta um catador, ao falar do processo e do pouco investimento atual na manutenção da coleta. “As pessoas, as famílias, é que continuam separando. As autoridades simplesmente desconhecem a coleta e as vantagens que ela traz para os itaunenses”, disse ele, lamentando o que considera “um pouco caso”, com o que entende ser uma das maiores conquistas do município. A reportagem buscou por alguma citação às mais de duas décadas da coleta seletiva nas redes sociais da Prefeitura e do SAAE, sem sucesso.  

Os números de passado recente

A coleta seletiva de lixo em Itaúna já alcançou índices de 70% de aproveitamento do total do lixo reciclável coletado em Itaúna. Para se ter uma noção do que isso representa, dos 100% do lixo recolhido na cidade – 1.850 toneladas de resíduos mensais –, 520 toneladas eram de Lixo Seco e mais de 400 toneladas eram comercializados pela Coopert, cooperativa que foi contratada pela Prefeitura para fazer a coleta e triagem do resíduos reciclável de Itaúna em 2013, na administração anterior, de Osmando Pereira.

Esses números representavam, à época, mais de 28% do total do lixo recolhido na cidade. Em uma estrutura considerada ideal de aproveitamento do resíduo coletado, conforme estudos de especialistas na matéria, 30% é o aproveitamento esperado. Os outros 70% do total de lixo doméstico gerado no País são divididos em 50% de orgânico (Molhado) e 20% de rejeito (aquele lixo que não tem como ser reaproveitado). Hoje a Prefeitura/SAAE não divulga mais o percentual que é reaproveitado em Itaúna.

Por que a coleta deItaúna dá certo?

Apesar de não haver o investimento já experimentado em administrações passadas, depois de 21 anos, a população continua separando o lixo em “secos” e “molhados” e a coleta seletiva persiste. A reportagem ouviu um dos responsáveis pela criação do projeto Lixo Seco e Lixo Molhado, o jornalista Sérgio Cunha, que afirmou que “isso é parte de um processo simples. As pessoas entendem o que foi proposto e, por isso, continuam separando, porque é fácil, não cria duplos entendimentos, todo mundo sabe como fazer”. E conta o porquê do nome “Seco e Molhado” e qual é o “segredo” do sucesso.

“Na verdade, ‘seco’ e ‘molhado’ é a simplificação dos conceitos. Já imaginou fazer uma campanha de ‘lixo reciclável’ e ‘lixo não reciclável’ para a população de forma geral? As dificuldades começariam pela necessidade de explicar que o lixo orgânico é reciclável, também, mas que não tínhamos, como não temos, um processo que possa reaproveitá-lo em Itaúna. Por isso, ao ouvir de um catador pernambucano que o lixo que não é ‘molhado’ com gordura tem melhor aproveitamento, inclusive financeiro, e que, quando é misturado com gordura (de uma forma geral), perde valor, pois dificulta a reciclagem e gera muito rejeito, pensamos em falar apenas em ‘seco’ e ‘molhado’, para propor a separação”, disse.

“Outro fator também era não criar dificuldades para as pessoas nas casas. Imaginem uma cozinha, uma área de serviço, com uma lixeira azul, outra vermelha, outra verde e mais uma amarela! E, na hora de descartar o lixo, a pessoa ia ter que racionar: papel é na lixeira de qual cor mesmo? É esse o problema que se propõe nas técnicas apresentadas pela coleta seletiva de padrão internacional, e que não funcionam. Quem separa papel, plástico, metal, madeira, orgânico, é o catador. Ele é que sabe o valor de cada um. Inclusive, separa papel do papelão, plástico mole, PVC, alumínio, latão, etc. A dona de casa tem mais afazeres e seria complicar a vida dela, pedir que separasse o lixo por categoria. Assim, ‘secos’ e ‘molhados’ facilita, foi o que pensamos, eu, Ralim Mileib e o Osmando, para fazer esta proposta”, informou. 

E acrescentou que os termos “seco” e “molhado” são conhecidos de todas as pessoas. “Tem alguns lugares que tentam mudar para “secos e úmidos”. ‘Úmido’ é como se fosse uma variação de ‘molhado’, levam ao mesmo entendimento, mas ‘molhado’ uma criança de cinco anos sabe o que é; ‘úmido’, algumas pessoas adultas não entendem bem, então, por que complicar?”. E o fato de se implantar uma coleta seletiva, na opinião do jornalista, é outro problema: “Ora, toda cidade tem uma coleta de lixo, então, é só transformar esta coleta em seletiva, como fizemos em Itaúna. Implantar a coleta seletiva seria propor mais uma coisa, um novo serviço, dificulta a adaptação. Aí, transformamos a coleta comum em seletiva, e está aí até hoje, há 21 anos. Num dia, recolhemos o lixo seco, no outro, o molhado. Simples assim”, completou.

No Brasil, mais de 4,1 milmunicípios já tentaram manter a coleta seletiva

São pouquíssimas as coletas seletivas de lixo no País que persistem ao longo do tempo. Não se tem notícia de outro município que tenha uma coleta seletiva há tanto tempo, como ocorre em Itaúna. Dados divulgados em 2022 apontam que 4.145 municípios brasileiros já apresentaram alguma iniciativa de coleta seletiva, mas poucos têm o serviço por um período superior a um, dois anos. Em boa parte das cidades, uma parcela da população conta com a coleta, outra não.

Em Itaúna a coleta seletiva alcança toda a área urbana e é executada também nas comunidades rurais, há 21 anos, completados no primeiro dia deste mês. Enquanto isso, gastos com lixeiras coloridas, instalação de pontos de coleta, aquisição de veículos “apropriados” e divulgação de implantação e reimplantação de coletas de “lixos recicláveis”, “resíduos aproveitáveis”, “lixo seco e úmido”, “lixo seco e orgânico” vão se multiplicando nas tentativas e fracasso, enquanto em Itaúna se recolhe o “lixo seco e lixo molhado” há mais de duas décadas, com excelentes resultados. Até porque mantém a existência da Coopert, com cerca de 100 cooperados e boa renda mensal, além dos muitos catadores “avulsos” que negociam seus produtos com “atravessadores”.