A agressão do protestantismo ao Santo Magistério de Cristo
Eis aí um ponto de capital importância que afastou radicalmente os protestantes daquilo que Jesus Cristo mesmo ensinou. Para a visão do protestantismo, a mensagem divina contida na Revelação foi conservada em sua integridade, no curso da história humana, só e tão-somente nas Sagradas Escrituras. Eles chamam isso de Sola Scriptura (Somente as Escrituras). Ou seja: toda autoridade está contida somente na Bíblia e nada exterior a ela é investido da autoridade e do ensinamento repassado por Jesus Cristo. Eles parecem não prestarem atenção, nas próprias escrituras, a versículos como 2Ts 2:15, em que as palavras sagradas de Paulo nos orientam: “Assim, pois, irmãos, ficai firmes e conservai os ensinamentos que de nós aprendestes, seja por palavras, ou seja por carta nossa”. Ou a 1Cor 11:34, onde lemos a diretriz: “As demais coisas eu determinarei quando for ter convosco”. Com o auxílio de Robert A. Sungenis, segue uma crítica reflexiva em defesa da Fé de Nosso Senhor.
A teoria protestante que agride o Santo Magistério deixado por Cristo na Igreja, exalta somente as escrituras (sola scriptura) e descarta qualquer autoridade exterior a elas possui os seguintes problemas de coerência.
1. O Sola Scriptura é antibíblico.
a) A bíblia não ensina o Sola Scriptura, nem supõe isso em lugar nenhum. Se somente as escrituras fossem suficientes, elas deveriam dar esta orientação, sem nenhuma fala de autoridade exterior a elas. Mas, ao contrário, nenhum dos autores inspirados ou Jesus supõem que o que está escrito seja a única fonte perene de autoridades e conselhos. Até mesmo os melhores textos tipicamente usados para defender o sola scriptura - 2Tm 3:16; At 17:10-12; 1Cor 4:6; De 4:2; Ap 22:18f., etc. - simplesmente não o dizem; nem podem ser usados de modo a sugerirem tal princípio, não sem assumir de antemão o que é conveniente para suas próprias conclusões exegéticas. Os Evangélicos, via de regra, dirão algo como: “Embora 2 Timóteo 3:16-17 não faça uso da palavra ‘suficiente’ o texto usa sim um equivalente na frase – ‘competente’, equipada para toda boa obra”. Mas isso só alimenta a disputa, pois os termos de comparação não são claramente equivalentes. Alguém poderia, questionavelmente, afirmar que todos os livros de Billy Graham “são úteis para ensinar, repreender, corrigir e treinar na escola da justiça, para que o homem de Deus possa ser completo, equipado para toda boa obra”; mas isso dificilmente justificaria a afirmação de que SOMENTE os seus livros são autoridade suficiente para a vida e instrução perene da Igreja. A Bíblia ensina que as Escrituras são inspiradas por Deus, infalíveis, úteis para instrução e que não devem ser adulteradas. Ela não diz que as Escrituras são o único meio pelo qual Deus quis administrar a vida de sua Igreja.
b) A Bíblia supõe a existência de um contexto mais amplo de autoridade instituída. A Bíblia supõe a existência de um contexto mais amplo de autoridade eclesiástica instituída e de tradição normativa. Deus não transfere sua autoridade para as Escrituras em um vácuo histórico e social. As Escrituras, ao contrário, encontram-se sempre dentro de uma comunidade na qual Deus também conferiu autoridade a líderes humanos legitimamente ordenados. Jesus e os apóstolos exigiram obediência não apenas à palavra escrita de Deus, mas também às decisões vivas da Igreja (Mt 18:12-20; cf. At 15; 16:4).
c) A Bíblia supõe tradições extrabíblicas. A Bíblia assume um modelo ininterrupto, ao longo do tempo, de tradições extrabíblicas instruídas por Deus. Ela não assume o sistema pressuposto pelo sola scriptura. Os protestantes defendem que todo o conteúdo da vontade revelada de Deus para a instrução contínua de sua Igreja está “integralmente ao texto”. Eles acreditam que nenhum resíduo não escrito de instrução divinamente inspirada, partindo dos ensinamentos orais de Jesus e de seus apóstolos, sobreviveu ou permaneceu vinculante ao povo de Deus depois que o Novo Testamento (NT) foi escrito. Se todo ensino oral com autoridade de Cristo vinculante tivesse cessado com a morte do último apóstolo, e se as primeiras igrejas não possuíam cópias de todos os livros do Novo Testamento até bem depois daquela época, quem teria falado em nome do Senhor Jesus e de seus apóstolos nesse intervalo de tempo?
d) A Bíblia supõe o contexto litúrgico da comunidade de adoração. O povo, no tempo bíblico, não andava pelos cantos com suas próprias cópias da Bíblia. O locus principal das Escrituras era a liturgia, e não o tempo livre diário. Escutava-se a Palavra de Deus quando ela era proclamada na assembleia, convocada oficialmente, do povo de Deus. A Bíblia é um texto elaborado para ser lido e escutado publicamente. Perdemos algo quando tudo o que fazemos primordialmente se restringe a ler a Bíblia por nossa conta, e não dentro da Igreja em primeiro lugar. Essa visão privada e livresca é anacrônica e contrária tanto ao uso principal desejado dos textos bíblicos quanto ao meio social e histórico das próprias Escrituras.
David Currie, em seu livro Born Fundamentalist, Born Again Catholic, descreve um experimento que conduziu para obter a média de horas realmente gastas com a leitura da Biblia nas diferentes ¡grejas. Ele escolheu duas igrejas Protestantes - uma evangélica, a outra fundamentalista -, ambas com uma média altíssima de comparecimento aos domingos. Ele encontrou que a igreja evangélica, no subúrbio noroeste de Chicago, gastava menos de seis por cento de seu culto dominical com as Escrituras, enquanto a igreja fundamentalista, no noroeste de Indiana, gastava dois por cento de suas manhãs com as Escrituras. Em contraste, ele descobriu que os Católicos gastavam em média mais de vinte e seis por cento de seu tempo na Missa com as Escrituras. Isso deve nos dizer algo.
2. O Sola Scriptura é logicamente inconsistente.
i. Primeiro ele é autocontraditório porque diz que devemos crer somente nas Escrituras, mas as próprias Escrituras nunca dizem isso! Se acreditarmos apenas no que as Escrituras nos ensinam, não acreditaremos no sola scriptura, pois as Escrituras não ensinam o sola scriptura.
ii. Segundo ele supõe que os ensinamentos “essenciais” das Escrituras são suficientemente claros para serem entendidos por qualquer pessoa; contudo, ele mesmo não é suficientemente claro a ponto de ser considerado por todos um ensinamento bíblico. O sola scriptura representa uma posição minoritária entre os cristãos que creem na Bíblia; além de ser, na história, relativamente uma novidade, sem sequer ter sido considerado explicitamente por ninguém antes de John Wycliffe, no século catorze.
iii. Em terceiro, ele afirma a Bíblia como a autoridade suprema, porém a subordina à interpretação - ou às tradições de interpretação extrabíblica deste ou daquele indivíduo (ou grupos de indivíduos) a respeito do que diz a Bíblia. Isso significa, em termos práticos, que o sola scriptura leva ao subjetivismo hermenêutico. A afirmação de que “as Escrituras se interpretam a si mesmas” é egocêntrica e sofística neste ponto, pois interpretações conflituosas e até mesmo contraditórias são sustentadas pelos defensores desta visão. A falta de acordo entre os próprios protestantes é o selo de confirmação deste artigo.