A ajuda imponderável ao RS

A ajuda imponderável ao RS

Tenho repetido algo a todos que fazem comentários próximos sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. Digo que a única coisa que me ocorre nesta calamidade é o conceito de ajuda, de solidariedade. Tudo o mais sequer me parece merecer espaço numa conversa sobre o tema. Não é oportuno gastar energia acusando ou defendendo se o governo está fazendo mais ou menos do que os voluntários. Não faz sentido mobilizarmos atenção em torno de narrativas ideológicas sobre as causas estruturais e o que poderia ter sido feito antes. A hora de uma reavaliação mais ampla chegará. O instante agora é um só: precisamos estender as mãos da maneira que estiver ao nosso alcance. E isso não está necessariamente relacionado a fazer doações financeiras e materiais. 

Para além da óbvia emergência material que provê abrigo, comida e sobrevivência – a perspectiva daqueles que perderam tudo parecia irremediavelmente anestesiada. Até que misturadas no intervalo das embalagens de mantimentos e das rotinas de voluntários extenuados, começaram a saltar aos olhos das vítimas as mensagens de crianças de escolas situadas em outros estados. Algumas são desenhos feitos por quem sequer tem idade para saber escrever. Todas são confeccionadas com nítido desejo em transmitir carinho.

Não só de pão vive o homem. E o dom da fé pode bem ser cultivado com o empurrão do apoio moral e emocional. Embora essencial, inocular este apoio não é tão simples e objetivo.

A rede de apoio de todos os cantos da nação brasileira salta aos olhos de todos nós que a observamos com serenidade. E embora seja também vista pelas vítimas das águas, esta rede solidária não consegue acalentar de maneira tão rápida e automática o coração de quem perdeu absolutamente tudo. Em alguns casos, este tudo inclui filhos e pais. 

Conversei com o secretário de obras do município de Porto Alegre esta semana. Há bairros inteiros, com casas muito bem estruturadas, que estão dois metros e meio abaixo d’água, sob uma correnteza de 33 nós (algo em torno de 60 km/h). As famílias destes lugares, em alguns casos, incrédulas, não conseguiram deixar tudo para trás até que fosse tarde demais. Formaram-se abrigos inteiros para órfãos da tragédia. Quando bombeiros chegaram, e o espaço no veículo de resgate não era o suficiente para levar toda família numa viagem, os filhos eram salvos primeiro. Mas nem sempre o retorno dos salva-vidas encontrava os adultos com vida. Para quem se salvou, houve ainda uma onda atroz de selvageria criminosa. Algo que corroeu ainda mais o que restava de patrimônio e de civilidade. A visão de mundo dos seres humanos que sobrevivem a este cenário apocalíptico foi visceralmente agredida. A infinidade de imagens e cenários trágicos anestesia, quando não derruba. 

É nítida a necessidade de alimentar a alma destas pessoas. Há gente sem conseguir comer.

É difícil mensurar o tamanho do abraço de humanidade que precisamos oferecer a nossos irmãos gaúchos. Mas é mais fácil construi-lo do que arrecadar todo o dinheiro necessário para os próximos anos de restauração material. Além de coletarmos água, comida e dinheiro, chegou a hora de nos inspirarmos nas mensagens dos jovens estudantes e usarmos a criatividade para angariarmos expressões de humanidade que vão além dos belíssimos e nada desprezíveis esforços materiais. O pacote de cartinhas e desenhos dos jovens estudantes levantou do chão um ginásio inteiro de adultos arrasados pela tragédia, num momento de emoção, esperança e capacidade de acreditar que a vida tem força para superar as dores mais avassaladoras.

A previsão dos próximos dias é que a chuva continue.